Em uma das cenas de Hiroshima Meu Amor (Hiroshima Mon Amour, 1959), o casal, a atriz (Emmanuelle Riva) e um japonês (Eiji Okada) conversam numa mesa de um simpático bar. Os olhares, encontram-se em crise, melancolia. O silêncio permeia entre o ar gradativamente. O plano de Resnais, habita aquele dois corpos um em frente ao outro, tristes, em conflito um com o outro e consigo mesmos. A água do rio reflete sob eles, ao fundo, o cenário de Hiroshima à noite, incomum, mas vivo, com algumas luzes fortes, uma torre, diferentes lugares abertos, diferentes pessoas, diferentes vidas.
Esse pequeno fragmento do filme de Resnais sintetiza, junto a outros momentos, a sua alma. Resnais não está mais na capital francesa, não é mais Paris a capital do romance, o lugar deve procurar contornar mais a sua própria visão romântica e seus traços, por isso não, Paris não dessa vez. Aonde então? O cinema de Resnais habita, três centros; memória, espaço e tempo. Sendo assim, diferente do que Curtiz fez em Casablanca (idem, 1942), não habitamos a guerra simultaneamente ao conflito amoroso. O campo de batalha aqui é entre memórias, tempos e romances, por isso a capital francesa, nem Londres, nem Roma, nem a Europa são suficientes, mas sim a Hiroshima pós-guerra, o perfeito lugar para viver o tumulto do amor e da guerra.
A narrativa de Resnais é poética e remete sempre a nouvelle vague. De certa forma tanto aquela atriz e o japonês são como os jovens que apareciam nas telas daquela nova geração efervescente na França. A linguagem de Resnais não se limita em palavras, usa e abusa de misturas entre o passado, o presente para compará-los, por meio de sua montagem anárquica que mistura o olhar, antes calmo e romântico, agora aflito e desesperado diante do provável fim da relação, por isso mesmo, o local onde aqueles dois corpos habitam é tão importante, fala tanto deles mesmos, de memórias infernais e desilusões que a guerra criara e tornara o sentimento dos dois tão frágeis.
Os personagens de Resnais não precisam ser identificados. Trata-se sobretudo de uma vinda fortuita e inesperada do amor, da paixão – essa que, como não poderia ser diferente, sempre vem imatura, desesperada e medrosa. A memória, por si só, ocupa na linguagem cinematográfica de Resnais um espaço abrangente, já que se trata de uma característica a qual todos nós somos alvos e estamos destinados a enfrentar. A crise então, não é apenas da possível “separação” dos dois, mas sim de um novo confronto, batalha com seus antigos sentimentos que retornaram no lugar mais “inesperado” possível, onde tudo acabou e, agora, onde tudo começaria.
Hiroshima Meu Amor (Hiroshima Mon Amour, 1959) é o testemunho da linguagem, marca autoral de seu diretor, de seu diálogo exclusivo com o cinema. Seja em qualquer lugar do mundo, tanto Ele como Ela, nossos dois protagonistas, seja quem for, habitará dentro do cinema de Resnais, uma galeria, um museu, uma exposição, uma cidade, um mundo. Explorar e viajar pelas matas, precipícios, abismos, paisagens de cada lugar é descobrir indivíduos diferentes, com seus medos e desejos, erros e virtudes, seu passado e seu presente. Não existe então, ferramenta melhor senão as imagens, os planos, as sequências, as cenas para representar esses pedaços de memória – afinal, cada um de nós, representa para Resnais, uma espécie de memória, fragmento de um tempo e um espaço perdidos no mundo. Porém, encontramos respostas para nossas dúvidas em torno dos personagens do cinema de Resnais? À medida que tentamos descobrir, cada um se torna um enigma também; a verdade é que não sabemos de nada sobre Hiroshima. Nada!