Vi na tela grande duas vezes. Revi mais duas vezes em DVD. Tudo devido ao impacto causado. Cada vez que o revejo ele cresce em minha opinião. Creio que em breve o terei em conta de obra prima.
“Um casal completa cinco anos de casados. O que era para ser uma comemoração vira uma interrogação. O marido (Nick Dunne – Ben Affleck) chega em casa não a encontra. Ele informa a Polícia e aos poucos é pressionado por ela, pela imprensa, os parentes da esposa e toda a comunidade. Contra ele o surgimento das verdades que desmentem a ideia de casal modelo que todos criam ambos ser. Teria ele matado sua esposa (Amy Dunne - Rosamund Pike)? O que terá acontecido a babe Amy?”
O filme mais importante a tratar até hoje sobre um dos alicerces do filme de Fincher foi O Que Terá Acontecido a Baby Jane (1962) de Robert Aldrich. Lá se falavam sobre duas irmãs já idosas. Uma delas foi Jane Hudson que foi quando criança uma verdadeira vedete que cativou o coração de toda a América com uma canção que foi entoada por anos. Passada a adolescência ela foi completamente esquecida e viveu a sombra da irmã que despontou como uma grande atriz.
No filme de Fincher a desaparecida é uma bela herdeira de uma fortuna acumulada pelos seus pais, autores consagrados de livros para criança, na qual a heroína é uma surpreendente Amy, cópia imaginária da filha e que se tornou uma febre e a enésima Miss Simpatia e noiva de toda américa. O sucesso fácil e as comparações aos poucos destituíram a jovem do espírito (consciência) de sua própria existência. Um ser sem personalidade.
Se o filme de Fincher se debruçasse sobre tal tema já seria fascinante. O que o torna maior é justamente amalgamar outros questionamentos e ir além... Uma noite Nick querendo ser algo que não era, dá o melhor de si e ela acredita poder então materializar a história perfeita que queria para si. Os contos de fada e o cinema inspirado neles já criou vários momentos mágicos. Fincher faz o seu, com direito até a uma neve artificial. Só que o desloca de um ponto de vista onde já chama a atenção do espectador atento a sua artificialidade. É a primeira dica sobre que nem tudo que veremos corresponde à realidade.
A outra temática sobre o qual muitos críticos se debruçaram (com razão, diga-se de passagem) é mostrar o casamento enquanto inferno. Verdadeiro mas esquecem de ver que no caso de ambos houve uma exacerbação do desejo de se mostrarem perfeitos um ao outro. Logicamente que sempre que dois seres se buscam e desejam conquistar um ao outro tal acontece. O problema é que aqui o desprevenido Nick não se atentou que se aproximara de uma mulher já mentalmente perturbada que buscava perenizar a profecia de Andy Wahhol além do quarto de hora: “No futuro todos terão direito a 15 minutos de fama”. O casamento vira um pesadelo, mas aqui o se discute é a loucura, o delírio, a doença que que contamina o mundo levado ao extremo. Lembram-se dos selfies da população diante da casa do principal suspeito? Do papel da mídia e a sede de todos de poderem ser capturados pelas câmeras que irão perseguir Nick e acompanhar seus familiares? Não custa lembrar que no passado Wilder em seu “A Montanha dos Sete Abutres” mostrara isso de forma menos sutil e mais contundente. Tivesse filmado na realidade de hoje o público anestesiado já não se importaria de se mostrar como “abutres”. Vivemos um grande big brother e não nos importamos com o papel que desempenhamos. Estamos sedentos por apenas aparecer. Um mundo onde muitos se dedicam a gastar mais da metade do tempo de sua existência a fabricar uma imagem que nunca corresponderá a realidade do que são realmente. A primeira metade do filme poderia ser resumida dessa forma: “Amy e Nick, feitos um para o outro”. A segunda parte: “Todos queremos participar dessa trama”.
Outra coisa que casou bem com o filme. Fincher escolheu bem seu elenco. A insipidez de Affleck casa bem com a figura que se quis construir de Nick: Um personagem quarentão, de queixo saliente, grosso, que pensa ser mais do que é, oco, limitado, sem perspectiva na vida e que se revigora no ofício de seduzir mulheres mais novas. Tão centrado em si que não percebeu que é o Ken da Barbie. Barbie essa que não deseja só seus bens (já que não os tem), mas sim a sua alma. Ele só tem validade e existência quando no papel do boneco Ken. Ser a escada para que ela brilhe. O filme no entanto é todo de Rosamund Pike. Surpreendente em cada suspirar e olhar que lança em cena. Tão cativante que apesar de sabermos o que ela representa, somos desejosos de ser a próxima vítima dessa Hydra.
Adoro a forma como o suspense foi desenvolvido. Parece um thriller comum, e nos leva a crer que algo de ruim aconteceu. Jamais imaginamos quem arquitetou aquilo. O filme vai num crescendo. Não atinge o sublime dos 30 ou quarenta minutos do filme de Aldrich já citado. Mas tem a virtude de jamais ter uma queda em seu crescer. É mais equilibrado nesses termos. O que não diminui em nada o clássico de 1962. A aparente falta de sutileza em alguns momentos é fruto de nossa época. Não se tem a preocupação de se rebuscar a linguagem, afinal capta-se a essência do hoje, os códigos de censura não mais existem (Ainda bem).
A eliminação física de um outro para consecução da permanência da aparência da doce Amy perante os olhos do mundo é de uma crueldade cínica que poucos notam A vítima é apresentada como o Sr. Enfado. Um leitor e entendido de Proust. Ao se eliminá-lo, não se elimina também a ideia de que o se aprimorar não vale a pena? Que estamos vivendo em uma sociedade totalmente descartável? O máximo que se ouve em prol do executado vem da boca de seu marido insosso. “Como pode chegar a matar outra criatura?” O silêncio dela a indagação responde tudo. O Baby Amy precisa brilhar. Não importa o preço a ser pago. Nick só foi salvo quando ela percebeu que ele serviria a um bom enredo.
Creio que a maior injustiça do ano é esse filme ter sido esnobado pela academia. Como tal aconteceu? São impressões, mas creio que o Juiz Tempo irá me dar razão. Será um clássico. É isso.
Escrito por Conde Fouá Anderaos.