“Lucas tem mais de 40 anos. Ele é um professor deslocado de sua função, recém saído de um divórcio, vive sozinho e busca reconstruir sua vid...
“Lucas tem mais de 40 anos. Ele é um professor deslocado de sua função, recém saído de um divórcio, vive sozinho e busca reconstruir sua vida. Trabalha como assistente em uma escola infantil. Começa um novo relacionamento e tenta trazer seu filho adolescente para perto de si. Tudo parece se encaminhar bem, até que uma pequena mentira surge. E ela se espalha com tamanha virulência que outras são criadas para fortalecê-la. O estupor e a desconfiança se propagam na pequena comunidade desencadeando na histeria, obrigando Lucas a se bater para sauvar não somente sua dignidade, mas também a sua própria vida.”
Um filme que certamente deve ter causado muito barulho. A causa? O fato de seu diretor ter optado por uma narrativa onde não vigora a incerteza sobre o fato que desencadeia a trama. E assim uma leva razoável de pseudo puritanos devem ter se incomodado com o fato de suas certezas terem sido abaladas. É possível que uma criança minta? É possível que induzamos uma criança a mentir? Sem nos preocuparmos com as respostas (que devem ser respondidas diferentemente e não de forma categórica por cada um de nós) o filme ousa ao pretensamente nos manipular. Ao sabermos da inocência de seu protagonista desde o início, passamos a sentir na pele as possíveis incertezas sobre o futuro. Lucas é inocente, mas uma vez lançada à bola de gude sobre a montanha encapada de neve, a bola formada foge do controle. É o que o filme nos mostra. E o pior, a tomada final nos dá a clara dimensão que não existe remédio para corrigir o mal feito.
Outros filmes já se debateram sobre os rumores que desencadeiam em histeria coletiva. A Caça, no entanto, ousa ao se alicerçar sobre um tema tabu: Pedofilia. Tabu absoluto do mundo contemporâneo ele acaba por sacralizar o discurso infantil. E ao optar por nos desvendar o protagonista quando do início, dá-nos a falsa impressão de sermos reféns de sua narrativa. Ou seja, ao menos na Sessão onde vi o filme, a manifestação da platéia quando da reação do protagonista a agressão sofrida no Supermercado foi de apoio. Ou seja, de tão bem realizada, o espectador sem se dar conta incorporou-se a uma matilha, tal qual aquela que persegue o protagonista. Passada a projeção, quantos se deram conta de tal verdade? Poucos. O final sem solução é que deve nortear nossa mente sobre o que vimos na tela. A Caça não visa dar argumentos de defesa a pedófilos e nem desmuniciar os que os perseguem. Ao contrário, faz-nos refletir sobre as ameaças que pairam sobre a Civilização. Todas nascidas dos desequilíbrios humanos. E a necessidade que todos têm de verem materializados seus maiores pesadelos nos outros. E como reflexão: Não foi a criança violada quando seu irmão mais velho (e idiota) a perturbou com algo que foge de sua compreensão? E os meios de comunicação não realizam isso todos os dias, diante das barbas das famílias incapacitadas de maior compreensão. Temos capacidade de lidar com isso?
O filme além de uma primorosa fotografia de Charlote Bruus Christensen, um roteiro bem costurado de seu diretor e Tobias Lindholm, traz-nos interpretações precisas de todo o elenco com destaque a um Mads Mikkelsen em estado de graça (a melhor interpretação do ano) que sepultou de vez o velho ditado de W. C. Fields de que crianças sempre roubam a cena (Annika Wedderkopp funciona a mil maravilhas, mas não o ofusca). Para mim a grande surpresa de 2012.