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O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962)

A obra-prima de Robert Aldrich. O ápice de sua carreira. A convergência de todo o seu talento. Todo diretor tem sua obra máxima e no caso de...

A obra-prima de Robert Aldrich. O ápice de sua carreira. A convergência de todo o seu talento. Todo diretor tem sua obra máxima e no caso de Aldrich tal obra veio no ano de 1962, nove anos após o início de sua carreira de diretor. O Que Terá Acontecido a Baby Jane? é a evolução de Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder. Se no filme de 1950 havia uma crítica ao ostracismo que recai sobre os ídolos do passado, tal qual ocorrera com Norma Desmond, aqui essa crítica atinge um outro patamar, evidenciando a forma com que o esquecimento corrói e degride a consciência do indivíduo, através da figura de Jane Hudson. Ou melhor dizendo, de Baby Jane. O ano é 1917. Baby Jane é uma jovem atriz de vaudeville aos moldes de Shirley Temple. Seu sucesso a torna a filha predileta de seu pai, que não ousa em demonstrar que prefere ela à sua outra filha, a jovem Blanche Hudson. A mãe, mais consciente, faz a jovem Blanche prometer que quando ela for a irmã famosa, coisa que viria a ocorrer, não trataria sua irmã ou seu pai da mesma forma que eles a tratam hoje. Agora vamos para 1935, quando Blanche Hudson é uma talentosa e prestigiada atriz de Hollywood, que consegue vários papéis por ano e coisas do tipo, mas uma cláusula em seu contrato exige que a cada filme feito com Blanche, um filme deveria ser feito com Jane, coisa que não muito agrada ao estúdio, visto que a ex-atriz-mirim agora não tem o mesmo prestígio que tinha em sua infância. Porém, em um fatídico dia, ao término de uma festa e ao voltarem para a casa comprada por Blanche e que pertencera ao astro Rodolfo Valentino, Jane atropela Blanche enquanto essa abre o portão, deixando-a paraplégica, presa em uma cadeira de rodas pelo resto de sua vida. E é aí que a história realmente começa. Jane, interpretada por Bette Davis, e Blanche, interpretada por Joan Crowford, se odeiam tal qual suas intérpretes. Na realidade, boa parte da naturalidade vista do ódio existente entre Jane e Blanche vem do mesmo sentimento que há entre Davis e Crawford. Em uma das cenas, Bette Davis realmente chuta a cabeça de Joan Crawford, que acaba necessitando de curativos. Em resposta, Crawford coloca pesos no bolso para uma cena em que Bette Davis a arrasta, causando um estiramento nas costas dessa. Como Joan Crawford era casada com um dos executivos da Pepsi e inclusive ela mesma possuía um cargo de chefia na empresa, Bette Davis exigiu que fossem instaladas máquinas de refrigerante (da coca-cola, óbvio) por todo o set. Quando anunciada a lista de indicados ao Oscar, o nome de Bette Davis estava entre as nomeadas para a estatueta de Melhor Atriz enquanto o de Joan Crawford não, o que levou essa a iniciar uma árdua campanha contra a vitória da primeiar e que terminou com Joan Crawford subindo ao palco para receber a estatueta de Melhor Atriz no lugar da vencedora Anne Bancroft por O Milagre de Anne Sullivan. Histórias como essas ajudam a dar um ar quase que idolatrável ao filme, além de ampliar as excepcionais atuações dessas duas lendas do cinema. Enquanto o ódio de Joan e Bette é desmotivado, o de Jane e Blanche tem motivos bem claros. Blanche não gosta de Jane pela forma como essa a tratara e ainda trata, Jane não gosta de Blanche pois sente que a irmã usou o prestígio que ela conseguira na infância para alavancar sua carreira até ultrapassá-la. Blanche não gosta de Jane pois essa teria tirado toda sua liberdade ao deixá-la paraplégica. Jane não gosta de Blanche pois essa teria tirado toda sua liberdade ao ficar paraplégica. Nesse ambiente pesado e conturbado, Aldrich ainda consegue inserir outros personagens, tão bizarros quanto os protagonistas, na trama (coisa recorrente nos seus filmes, a inserção de personagens no decorrer da história. Maidie Norman como a empregada Elvira, amiga de Blanche e Victor Buono como o pianista Edwin Flagg, papel que lhe rendera uma indicação ao Oscar como coadjuvante, são os mais notáveis. Como em todo filme de Aldrich, não pode faltar o final surpresa. Elemento esse usado e abusado nos filmes modernos, mas ao contrário desses, onde a surpresa é fazer uma brincadeirinha com o espectador, rindo do mesmo ao jogar dezenas de elementos que indiquem esse final e ele não perceber, no filme de Adrich, a surpresa está em contradizer tudo o que o sempre foi afirmado e ratificado, demonstrando que nada, absolutamente nada é o que parece ser, e que os conceitos de bem ou mal são meramente vagos. Se o filme construiu toda uma índole maniqueísta durante seus primeiros 120 minutos de projeção, é nos 10 minutos finais que ele se redime, mostrando que até mesmo ele não era o que parecia ser. Há duas evoluções que ocorrem em paralelo na trama. A primeira, é a lenta e gradativa evolução da violencia, que inicia como um simples desgostar e que após aguns dias se transforma numa verdadeira tortura física. A segunda é a evolução da insanidade de Jane Hudson. Muito provavelmente é o agravar desse segundo elemento que motiva o agravar do primeiro, mas tal qual tudo nessa obra, não podemos afirmar isso com plena certeza. Aldrich em meio a isso consegue manter perfeitamente a ordem evitando que o filme se torne um suspense sanguinário, coisa para o qual pende, para se manter em um terror psicológico, ampliando e muito o nível artístico da obra. Aldrich não se contenta em mostrar, ele quer explicar exatamente tudo o que está acontecendo. Nenhum ato de Jane contra Blanche é infundado. Tudo o que uma irmã faz para a outra tem um motivo claro e detalhado. Essa obsessão (positiva) de esclarecer o que ocorre chega ao seu ápice com a personagem de Flagg, que mesmo tendo sua primeira aparição na metade do filme, tem todo o seu passado, sua vida e sua personalidade perfeitamente trabalhados por meio de diálogos que revelam todo o necessário sem cair na banalidade. Uma aula de como se passar informações que muitos cineastas modernos precisam aprender. Embora as atrizes devessem lutar de igual a igual, fica clara a forma com que Bette Davis engole Joan Crawford nesse filme. Sua presença, seu timbre de voz, suas nuances, tudo nessa atriz exala superioridade e magnificência. Bette Davis demonstra ser uma das melhores, se não a melhor, das atrizes que Hollywood já viu. Sua Baby Jane não é sádica, ela é apenas uma criança num corpo de senhora, que faz as coisas por impulso e em seguida se arrepende. Sua infantilidade é tão extrema que se torna aterrorizante. E Davis consegue captar isso e transmitir para o espectador de maneira invejável. Filmes desse tipo não se vêem mais atualmente. Quase nenhum diretor nos dias atuais prefere trocar baldes (ou até mesmo caminhões-pipa) de sangue artificial por um "mero" terror psicológico. Muitos espectadores, mais afoitos, também trocariam um filme mais profundo por uma mera diversão. Em 1962, Robert Aldrich já criticava e quase que profetizava o fim de Hollywood, que cairia diante de sua própria hipocrisia, e nos tempos atuais cada vez mais vemos esse fim, ou pelo menos o fim da qualidade, por assim dizer, se aproximando de nós. E mediante isso tudo, resta apenas uma pergunta a se fazer: O Que Terá Acontecido a Baby Jane?

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