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Era Uma Vez Um Pai (1942)

Um filme de Ozu é algo singular. Nesse daqui (a cópia existente; - única por sinal, foi editada após 1945 pelos censores, sem interferência...

Um filme de Ozu é algo singular. Nesse daqui (a cópia existente; - única por sinal, foi editada após 1945 pelos censores, sem interferência do diretor. Ao menos essa não pereceu perdida, como alguns outros filmes dele próprio, incluso obras de Mizoguchi) ele se debruça sobre a relação desconexa entre um pai e seu filho. Um tema universal que já serviu de base a muitos artistas que o desenvolveram de várias formas, desde a exaltação a falta de piedade filial (Pai Goriot), o choque de gerações (Meu Filho é Meu Rival), o abandono pelos filhos (A Cruz dos Anos) até o rito da transmissão dos valores (Num Lago Dourado).

Nesse daqui seu estilo único de filmar se firma definitivamente. Se no início da carreira havia ecos de Chaplin, aqui essa influência é deglutida e incorporada, criando um estilo próprio. Ele se livra do pathos e de qualquer traço psicológico, descarta os sentimentos bons e maus, se desembaraça de todo diapasão da anedota (ou gag, - vide o “texugo” que não serve para esgotar o mote) e se descobre num algo simples e seco, que penetra até a cavidade óssea. É inimitável, pois dessa forma se anula toda e qualquer performance individual, para se chegar a uma harmonia única de todo o elenco (e aqui temos um paradoxo. Em crítica anterior destaquei a atuação de Takeshi Sakamoto em Coração Caprichoso. Aqui ele retorna menos de um decênio depois, mas se junge ao todo. Está lá, perfeito como dantes, mas quase invisível. No entanto esse novo estilo permite que Chishu Ryu ainda se destaque, no entanto, os holofotes o atingem de forma mais comedida, algo inexplicável para se encontrar palavras).

Nasce aqui um cinema único: Composição e refinamento do quadro, tomadas fixas, câmera ao nível do solo, na altura de um indivíduo sentado num tatame (70 cm), recurso à elipse e ao eufemismo, distanciamento do jogo dos atores e o olhar são elementos que trabalham com o brilhante e frutífero paradoxo deste cinema. Um cinema conservador e moderno simples e poético, fincado nos limites da vida familiar e aberto à irredutível solidão do indivíduo.

Não custa lembrar que Ozu segue aqui o caminho dado por Tolstói: “Queres ser Universal, começa por pintar a tua aldeia.” Ozu ficou separado do pai entre os 10 e os 21 anos de idade. Ele o mandara estudar distante e quase não se viram por mais de 10 anos. Como no filme seu pai também morreu de forma repentina, num ataque inusitado.

Mesmo sendo obrigado a algumas concessões (exaltar o Patriotismo bélico) o que nos sobra é um banquete. Pois apesar do discurso de se servir ao trabalho, a lição que permanece é outra: as relações humanas são mais importantes que ser uma simples engrenagem de uma máquina impessoal. Ozu é um cineasta conformado (não conformista). Certas coisas são inerentes a condição humana e fazer delas uma tragédia é algo pouco inteligente e inútil. A morte é encarada como um presente, um rito de passagem, onde o antigo passa ao que fica todo um manancial de valores que devem ser enriquecidos e perpetuados.

Filme divisor de águas em sua carreira. Ozu caminha a passos lestos para firmar um estilo único.


Escrito por Conde Fouá Anderaos

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