Os irmãos Coen, apesar de abusarem do humor negro e dos diálogos curiosos em suas obras, aqui se aprofundam em um tema recorrente na atualidade, a violência. Violência essa que se agrava a cada dia, escancarando a impunidade e o descaso do Estado para com a causa da segurança de sua população. Para aprimorar sua crítica, a dupla conta a história de Llewelyn Moss, um habitante do deserto na região da fronteira entre EUA e México, que encontra uma picape cujo porta-malas contém dinheiro em quantia significativa.
Homem simples, do campo, Llewelyn pratica a caça e vive do pouco para se sustentar. Por encontrar uma verdadeira mina de ouro, ainda que não soubesse a procedência daquela quantia, seus olhos brilham e a ambição chega até sua mente. Ainda sem saber o que fazer, o homem volta ao local onde achara uma mala cheia de notas, assim que sente a necessidade de ajudar o senhor que lá encontrara ferido e necessitado, vítima de uma chacina motivado por drogas no local.
Paralelamente a isso, conhecemos a trajetória do vilão da história, um homem de feições macabras e olhar hipnótico. Esse é Anton Chigurh, muitíssimo bem interpretado pelo premiado Javier Bardem, o qual tem uma participação decisiva na história, uma vez que, sabe-se lá o porquê, este tem uma relação com a suposta mala e, esta, por sua vez, encontra-se nas mãos do ingênuo Llewelyn.
A partir disso, inicia-se uma perseguição de tirar o fôlego. Um homem que esteve no lugar errado e na hora errada. Outro, sedento por vingança e disposto a passar por cima de tudo e de todos. O equilíbrio entre essas forças é oculto na história, porém não deve passar imperceptível, esse é Tom Bell (Tommy Lee Jones), xerife do condado que serve de pano de fundo para a história. Sua participação é decisiva e, apesar do mesmo estar sempre ao redor da situação, nunca próximo a solucioná-la, deixa claro que os homens da lei de antigamente tinham poder muito maior de coibir o crime.
Com esse raciocínio, constrói-se na história, além dos momentos de suspense, com o inimigo sempre à espreita, uma reflexão acerca dos paradoxos de proteção. O Texas dos Coen é sim um local de truculência, observada muito na história, mas também é palco de mudanças, como o surgimento do porte de armas. Antes, o homem que carregava a estrela dourada no peito era por si só uma figura de autoridade e na qual depositava-se esperança para manter a ordem e a paz.
Em Onde os Fracos não tem Vêz, além das excelentes atuações e da pluralidade nos movimentos de câmera, os Coen constroem a história para os fortes, para aqueles que não sentem um fundo de medo na alma. Tom em seus diálogos no filme deixa sempre bem claro a sua indignação diante da falta de perplexidade. Os novos não questionam mais os valores e as crenças como antigamente, muito menos se preocupam com a ruptura do status quo.
A única figura amedrontadora que estremece a tela é a de Anton. Sua figura é como a de uma lenda, como a daqueles procurados do faroeste, cuja cabeça é colocada a prêmio. Seu jeito peculiar de encarar as vítimas e sua frieza fazem deste uma figura icônica, tamanha a sua protuberância. É quase impossível esquecer a sua figura ao fim da película. A fotografia contribui muito também, no sentido de focar na exuberância dos planos arenosos, cujo verde é apenas do dinheiro e das moitas. Dinheiro esse que serve mais para derrubar sangue do que para satisfazer o prazer momentâneo dos pobres e trabalhadores.
Llewelyn passa o filme quase inteiro fugindo de seu predador. Ele sabe porque fica com medo, ela sabe que no fundo não deveria ter a imprudência de checar aquela caminhonete. O dinheiro não era dele e o dono provavelmente não estava preocupado com ele.
Além disso, Llewelyn é preocupado com sua mulher, que se muda para outra cidade. Mas a brutalidade permanece, personificada na pele de Anton, ele é o mal, o mal das fronteiras, o mal do tráfico. Todos no filme tem medo dele. Até Tom, o xerife, não tem aquela pinta de durão, ele sente a fragilidade do sistema, e isso é evidenciado na sua troca de olhares e risos de desabafo.
O foco é a presa e o predador, a todo o momento. Isso ajuda muito no filme, já que os Coen conseguiram fazer um filme misto de suspense e crítica social. Essa cadeia ideológica não é para os fracos, o ambiente dos Coen é feito para briga de cachorro grande. É covardia, é massificação e dominação, a violência é arraigada no filme e o mal parece só crescer. Enquanto o protagonista tenta limpar a besteira que fez, o seu algoz monossilábico age como se fosse um animal, ou seja, é a própria violência, que só cresce, cresce e não para de aumentar em dimensão. Onde os Fracos Não Têm Vez é um estudo da marginalização do homem, diante da desesperança, sendo o único caminho o pecado.
Com o passar do filme, fica clara a necessidade de vitória, a necessidade de existir um herói, porém não é isso que ocorre na prática. O roteiro não é maniqueísta, não exista polaridade bem e mal, mas sim a subjetividade que distingue estes dois princípios. É nas entrelinhas que os diretores conseguiram cativar o público com personagens interessantes e de psicológico bem definido. O xerife, cheio de histórias pra contar, o sertanejo, acostumado com a ordem vigente, os traficantes, que só pensam em aumentar sua barganha, enfim, cada um com seu interesse.
Por fim, pode-se dizer que Onde os Fracos Não Têm Vez não tem pressa para terminar sua história de forma redonda, mas sim de modo gradual, sem ofender o espectador e sem entregar o final logo de cara. Os Coen mais uma vez deixam sua marca, com uma pitada de sangue, mas aqui encaixada num contexto realista, debatedor e reflexivo. Belíssimo estudo de personagem e belíssima história de perseguição. Cinema do mais alto calibre, equilibrado entre momentos pipoca, geniais e realmente filosóficos, de despertar o espectador num insight que vai além do que ele viu. Muito além de uma cidadezinha em conflito e um homem fugindo de um maníaco. Um traçar preciso da personalidade de cada um no mundo moderno. Sim, cada um pensa de um jeito, mas todos concordam que o mal está muito próximo de bater na nossa porta.