“Uma mulher e sua nora são assassinadas e violadas por samurais errantes. Sedentas de vingança elas retornam sobre a forma de espíritos felinos dispostos a matar todos os samurais. Até o dia em que a vítima deles terá de ser o filho e marido que retornou samurai.”
Não se trata de uma releitura da obra de Edgar Allan Poe. Shindô aqui se debruça sobre velhas lendas nipônicas para realizar um filme sobrenatural. O enredo que entrelaça o espiritualismo shintô e um quê de demoníaco, alcançou sucesso rápido nas terras nipônicas.
Aqui, após Onibaba, ele (Shindô) se prende novamente aos velhos temas que lhe são caros: Uma família separada pela Guerra, morte de samurais, o retorno de um personagem que modifica a ordem de um equilíbrio precário. Se as duas mulheres em Onibaba assassinavam samurais por necessidade, aqui ao contrário elas foram assassinadas por eles. E retornam decididas a se vingar de toda a raça. Gosto desse fio condutor de seu cinema: Vida, sobrevida, continuar a lutar mesmo após a derrota (a morte). Podemos nos remeter a velhas lendas nipônicas, mas também ao trauma da derrota na 2ª Guerra para o povo japonês. Shindô, é um diretor mais a esquerda. Ele critica o status quo nipônico, desde os tempos remotos (sempre o samurai a oprimir o campesinato).
Contudo o sucesso junto ao público se deve em parte devido a uma outra leitura. As questões de não aceitação da derrota, a necessidade de vingança, a perda de numerosas ilusões; a Guerra e seus estragos não estavam tão distantes dentro da memória do povo japonês.
Mas distanciando-nos dos fatores externos ao filme, reparamos que o cenário (a Casa das fantasmas felinas) remete muito a tradição do teatro Nô. Já o movimentar deles remete ao teatro Kabuki, uma forma mais moderna e popular. Um filme distante de momentos de suspense ou que surpreendam. A tensão nasce do conflito interno do protagonista, que deve eliminar os fantasmas, dos entes que lhe eram caros: mãe e esposa. Ainda que tenha se tornado um samurai é nítido que seus dizeres críticos quanto a opressão deles em relação ao campesinato, era atenuada pela identificação dos espectadores com o protagonista. Alguém oriundo das camadas populares que conquista pelo próprio esforço uma posição. Shindô que era um cineasta mais a esquerda consegue assim uma empatia maior com o público, já que a crítica a tradição ali permanecia de forma mais atenuada. Em Onibaba ele fôra mais visceral e minimalista. Aqui é mais sutil e cerebral.
Quanto a parte técnica nada a acrescentar. Uma linguagem cinematográfica psicodélica e etérea, que nos capta pelo sensorial antes de nos fazer refletir. Uso do chiaroscuro, criando um ambiente com toques irreais, valendo-se do fato de a maioria das passagens ocorrer no período da noite.
O final em aberto, em minha opinião serve para demonstrar a opinião ideológica do diretor. A solução para tudo isso ainda precisa ser encontrada. O caminho a trilhar ainda precisa ser construído. Kaneto Shindô nos laça pelo sensorial, para daí nos fazer refletir. Ele deseja uma reflexão permanente. É preciso respeitar a posição de um artista que nos lega uma obra de uma profundidade única. Ainda assim, ainda que esteticamente mais bem resolvida, Onibaba me é mais arrebatadora enquanto cinema, o que não enfraquece Gato Preto em nada. Questão de opinião apenas. Ambas são dignas de respeito e atenção.
Escrito por Conde Fouá Anderaos