New York, anos 30, um professor de literatura que sonha em ser dramaturgo, faz um acordo com um gangster. Esse financiará a encenação de sua peça (vinha de dois fracassos anteriores) e em troca ele acolherá no elenco a amante deste, uma dançarina sem talento. Esta é protegida por um guarda costa à primeira vista antipático, que, no entanto, traz em si adormecido um talento inaudito. Acabará sendo ele, autor, diretor e a própria alma da peça encenada.
Em que consiste a fonte de inspiração de Woody Allen? Em primeiro lugar, a paixão que sente pela arte, seja lá por qual meio ela se manifesta. Aqui o retratado, não será o Cinema, nem o Rádio, tampouco a música, que lhe foram companheiros fiéis na sua infância. Aqui seus olhos e imaginação se deitam frente ao mundo teatral da década de 20. Mundo esse que só pudera conhecer realmente através de relatos de outros. Mundo esse que um roteiro perfeito nos mergulha prazerosamente em uma história simples e ao mesmo tempo narrada de tal forma que ficamos fascinados ao sairmos da projeção.
Pensemos bem, aqui existem dois mundos que se opõem. Um representado pelo teatro, outro pela barbárie – a máfia. Se a máfia se vale do verniz da arte, ela não consegue fazer que a mesma se mescle a ela. A arte, no entanto, pode elevar o espírito, despertar o que jaz adormecido no homem. Cheech (Chazz Palminteri) um capanga que provavelmente nunca tenha entrado no teatro antes, um cara fechado, ameaçador, acompanha os ensaios. Sentado lá, impassível, não parece demonstrar entender o que se passa. Para nossa surpresa, ele compreende bem o que se passa e vive um dilema interno. Compreende que não existe naturalidade nos diálogos, que quem deve proteger está estragando a peça, que falta idéias e genialidade ao roteiro, que a mise em scêne está errada, etc. Quieto lá no seu canto com seus pareceres ele vai polindo a pedra bruta e transforma a peça numa jóia rara. Simboliza o poder transformador da arte, capaz de elevar o espírito, tirar o ser do lugar comum. É disparado o grande achado do filme. David o autor é o seu oposto. Um indivíduo que não comove e não fere ninguém, a não ser a si próprio. Quando aceita o trato que permitirá que sua peça ganhe o palco se sente enojado de si. Ao gritar da janela do quarto, embriagado pela bebida proibida, artesanal e de péssima qualidade que existia na época, “eu sou uma puta”, “um vendido”, não falava de si, mas de quem acreditava ser. O talento inexistia, ou melhor vivia apenas em sua imaginação. É Cheech que incorporará nele (sem ganhar os créditos) os talentos de que carecia. David paulatinamente se queda a realidade. Não tem capacidade para lidar com isso. O talento, a inspiração verdadeira, o verdadeiro artista é o desconhecido gangster. Tão arraigado a arte, que entrega a própria vida a sua obra. Ainda que ninguém saiba que é o verdadeiro criador.
E outros personagens tão ricos também por lá pairam: Warner Purcell (Jim Broadbent) é um veterano ator que luta para superar sua compulsão em comer quando se vê pressionado; ou Helen Sinclair (Dianne Wiest) como a diva escanteada que pode voltar a ribalta se a peça vingar. Ela que aponta os erros, mas não sabe que quem os consertará é Cheech.
Um filme do qual saímos com um sorriso no canto da boca. O final no qual Davi decide se dedicar apenas a lecionar e fugir para um lugar remoto é um sonho não permitido ao seu diretor. Allen ao contrário de David, nasceu para brilhar e ofuscar muitos com o seu talento luminoso.