"1933 - Na pior época da grande depressão, os vagabundos perambulavam pelo país por meio de trens, em busca de emprego. Rechaçados pela sociedade, isolados e indigentes, criaram um mundo à parte. Era nômades que desprezavam a lei, mas faziam valer a sua. Dedicado a destruí-los, estava o homem da ferrovia, que obstruía o seu acesso à sua única possibilidade de sobreviver: os trens." Com essa introdução digna de prólogo de conto de fadas, somos introduzidos à O Imperador do Norte, um dos melhores trabalhos de Robert Aldrich em toda sua carreira. O que se vê aqui é um faroeste ambientado nos anos 30. Uma terra de homens perdidos em busca de um lugar que lhes pertença. Ninguém sabe quem é, de onde veio muito menos para onde vai, apenas seguem em frente, em busca de alguns trocados e de um lugar no mundo. Nessa terra, ninguém consegue viver, apenas tentam sobreviver. Nessa terra de ninguéns, Shack (Ernest Borgnine) é o encarregado do trem 19 que se orgulha de jamais permitir que um vagabundo pegue carona nos seus vagões, chegando até a matá-los se for necessário. Isso muda até o dia que Nº 1 (Lee Marvin), o maior dentre os vagabundos, que por tal mérito recebeu o título de "O Imperador do Pólo Norte" pega carona em seu trem. Junto com ele, acaba vindo Cigaret (Keith Carradine), um jovem espirituoso, mas presunçoso, que atribui a si mesmo façanhas alheias em busca de respeito. Para Shack, o trem é o poder. Poder esse que é a única coisa que o separa daqueles que ele tanto odeia. E ele sabe disso. Por saber, acaba defendendo-o com todas as suas forças. Nº 1 é um homem honrado, que galgou sua posição e sua fama através dos anos. Seu maior desafio se dá quando encontra Shack e se vê desafiado a enfrentá-lo. Nessa guerra de egos, surge um ainda maior, porém Cigaret é apenas um garoto arrogante, que pensa ser muito mais do que é. Ele não tem a fúria de Shack, muito menos a honra de Nº 1. É nada mais do que um rato numa cova de leões. Na realidade, os três personagens nada mais são que uma metáfora social. Shack é o governo que oprime as pessoas, restringindo o ir e vir, matando sem hesitação quando necessário. Nº 1 é a resistência, que se infiltra pelas bases do sistema, burla as pressões infligidas por quem está no poder, conquista seus direitos de maneiras obscuras, até conseguir retomar o poder. Cigaret é a juventude, que insiste em participar do jogo mesmo sem conhecer as regras. Porém, em alguns anos, essa juventude que comandará o jogo, modificando as regras e reestruturando a sociedade. As três partes antagonizam-se constantemente. Embora pareca haver uma parceria entre juventude e resistência, ela vêm apenas com o objetivo de se aproveitar do outro para seus próprios objetivos, e um mal consegue conter sua ânsia de se ver livre. Mesmo o governo, que aparenta ser o inimigo universal, sabe que nada o diferencia dos demais se não o poder. Quando a resistência finalmente enfrenta o governo, a juventude simplesmente senta e assiste. Uma ressalva: os "vagabundos" citados tanto no filme quanto neste texto, tratam-se na verdade dos chamados "hobos", trabalhadores desempregados e miseráveis que vagam em busca de um emprego. Normalmente surgem nos momentos de grande instabilidade econômica. Lançado em meados da década de 70, quando a carreira de Aldrich já agonizava, esse filme acabou por tornar-se sua última obra-prima. Praticamente uma comunhão entre faroeste moderno e road-movie, onde ambos funcionam de maneira perfeita. Seu monólogo final, que a uma primeira vista pode ser tachado de moralista, é na realidade a representação dos ideais que reinavam naquela terra e ainda reinam nos dias atuais, seja lá onde for. "É um mundo de vagabundos, só para vagabundos. Nunca será Imperador do Pólo Norte, garoto. Tinha a garra, mas não o coração. E é necessário ter ambos. Tem muita lábia, mas nana de sentimentos. E isso ninguém pode te ensinar, nem sequer o Nº 1."
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