De uns tempos para cá tenho deitado meus olhos para o faroeste. Não que os busque como opção, mas filmes do gênero andam surgindo na minha ...
De uns tempos para cá tenho deitado meus olhos para o faroeste. Não que os busque como opção, mas filmes do gênero andam surgindo na minha frente. Foi o que se deu essa semana com a presente obra. Obra que me surpreendeu pelo inusitado que surgiu na tela. Inusitado esse bem conduzido e que se configurou ao final em uma obra a ser descoberta com urgência pelos que amam o Cinema. Trata-se de um clássico.
“Término do século XIX. Escondido em um velho rancho abandonado, Jeb Rander tenta escapar de um grupo de cavaleiros que desejam o matar. O lugar escolhido para refúgio, nada tem de agradável para ele. Foi lá que em sua infância um evento traumático se deu. Evento esse que retorna a sua mente de forma truncada, através de lampejos de imagens que não se conectam de forma a dar um sentido. A única lembrança mais clara é um par de botas com esporas indo e vindo num chão de madeira na altura de sua visão. E algumas faíscas que rompem a escuridão. Recolhido por uma mulher que o cria como filho ele tenta desvendar seu passado. Terá ele condições de enfrentar a verdade que jaz escondida em seu passado esfacelado”.
Tomando por base essa jóia de Raoul Wash ouso dizer que seu autor se distingue de um Ford ou Mann por sua característica desproposital, quase excessiva. Seu lema: uma mistura oscilante de impetuosidade, de desenvoltura temática e um antiformalismo radical. Uma junção instável que permite, sem estilização aparente nenhuma de descobrir a essência e a matéria de cada um dos planos que comporá a obra. Uma espontaneidade que poderia causar o soçobro da obra, mas que a conduz a algo inusitado e bem-acabado. Coisa de gênio. Faroeste quase esquecido, colocado de lado (nunca tinha ouvido falar e quando falam dele o tratam como um filme secundário), talvez sirva de modelo para entendermos o conjunto de sua obra. Faroeste que flerta com o noir e parece fincar os pés nesse gênero, e as vezes nem nos damos conta que o cenário é de um faroeste. Personagens solitários que preferem fugir de seus semelhantes e se isolarem. Não vejo tal fuga como uma vontade de se encontrar consigo mesmo, mas sim me dá a impressão de que eles querem é se perder por inteiro.
Domínio de uma dimensão psicanalítica e quase bíblica que prevalece: vingança rancorosa adormecida prestes a despertar, rivalidade entre irmãos (Caim e Abel?) e sobretudo retorno daquele que se encontra recalcado. Deve ter causado muito estranhamento na época, já que ao contrário não traz em seu bojo uma trajetória já conhecida. Ele se encaminha por um território no qual a tradição do gênero não estava acostumada. Rompe os limites e a obra mostra-se por demais ambiciosa em seus objetivos. Um filme a frente de sua época.
Uma viagem atípica, a extensão do deserto e dos penhascos se oferecem a nossa visão, mas o espaço a percorrer é outro. Não um espaço físico. Sim as profundezas de uma alma desencaminhada. Nada de duelos, perseguições de carruagens, viajamos de encontro ao interior da alma de um homem que se perde em si sobre o céu azul da paisagem. O ódio de Grant Callum pela família de Rand, que não pode ser dimensionado, se transmuda em algo sutil, prestes a pegar de assalto um Jeb desprevenido. É como se um fantasma o perseguisse. Ele sente, mas não o enxerga. Jeb não é um herói comum, pois ele deve não deve somente se livrar da hostilidade que sente, mas deve também mergulhar em seus pesadelos. Proposta ambiciosa, que uma mise em scène soberba e sobre medida engrandece. Ademais tal é valorizada pela trilha sonora de Max Steiner (E o vento levou, King Kong, Casablanca), majestosa e tenebrosa. A fotografia a cargo de James Wong Howe ( Férias de Amor, A Ceia dos Acusados) é sofisticada e mescla a escuridão com a luz de uma forma que os corpos ganhem o nosso olhar com redobrada atenção. E olhe que não é fácil se perder nos céus negros, rochas e interiores capturados pela câmera de Howe.
Uma obra a altura do que se melhor produziu dentro do gênero. Digno de um Hawks ou Ford. E que soube explorar como ninguém o olhar insondável de Roberto Mitchum. A se conhecer com urgência.
Escrito por Conde Fouá Anderaos