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A Cruz de Ferro (1977)

Por esses dias novamente revi “A Cruz de Ferro” de de Sam Peckinpah. Toda vez que o vejo retoma-me a mente o dito por Orson Welles: “Trata-se do filme mais antimilitarista que eu conheço”. A opinião de Welles casa perfeitamente com o que me vai n’alma. E há em sua feitura muito que me leva a acreditar que ao término da projeção saímos propensos a buscarmos cada vez mais o pacifismo, diante da barbárie sem sentido que ganhou as telas. Por outro lado, a maldita razão, me enche de dúvida. E se o filme for a constatação pura e simples de que o cineasta cria de que o instinto sempre vencerá a razão e arrastará o homem a refestelar-se na Guerra? Um filme dúbio? Ou um filme que se vale da dúvida para nos marcar mais definitivamente?

O filme retrata a ação de retirada das tropas alemãs do solo russo e a consequente derrota nazista. Somos convidados a entrar nessa história de uma forma cínica: um jantar de oficiais alemães. Regado a música (?) da artilharia dos dois exércitos que se digladiam não muito longe. Lá temos um comandante animado pela ressentimento de que suas convicções não estão corretas, mas que deve cumprir sua missão. Um capitão pacifista e resignado. Um tenente estritamente disciplinado. Este último em nome da pátria, da honra, da obediência, aplica e estimula o lado bárbaro que abomina nos inimigos, em seus comandados. E somos apresentados a dois seres que irão se digladiar no filme todo: O Capitão Stransky ambicioso e desprezível e o Cabo Steiner, lúcido e desesperado.

Stransky pertence a burguesia prussiana. Classe essa que envia seus filhos a Guerra, sonhando que eles se distingam no campo de batalha, pela honra e ordem vigente e sejam reconduzidos ao lar trazendo consigo uma distinção que represente sua importância: A Cruz de Ferro. Steiner ao contrário é um homem abatido, que vive uma dualidade que o tortura, e pensa poder escapar a essa realidade numa última explosão de violência. O primeiro é dotado da violência institucional, o segundo de uma violência primária.

Por outro lado, para retratar a época, e a compreensão do que ocorreu com um olhar de décadas depois, Peckinpah se vale de todas as ferramentas que o Cinema possui : Cross fade, travellings, imagem congelada, filtros, inversão de imagem, flashback, flashforward, imagens aceleradas, imagens desaceleradas, montagem telescópica de três ou quatro sequências, etc. Tudo isso em cenas e imagens curtas que visam ficam marcadas em nossa retina. O diretor explora a exaustão a mecânica da Guerra pela mecanização da imagem, possibilitada pelo Cinema. Um filme que se mostra tão monstruoso, quanto a época que ele pretende ilustrar. O confronto entre o primitivismo e o industrial se faz presente. Quando o grupo de Steiner fica isolado os homens tomados pelo medo retornam as origens da humanidade. O pelotão torna-se um grupo tribal. Steiner ri como um diamante brilha ao refletir o clarão, ri como uma hiena. Os feridos dos quais o sangue jorra, soltam gritos de porcos que nós matamos, ou uivos de sofrimento sobre o bombardeio da artilharia. A imagem esfria, desaparece quando tudo explode, o rasgão em nossa mente e o sofrimento não termina nunca. O campo de batalha não tem limites, não existe nenhum código de honra ou humanidade nessa trincheira.

A guerra é conduzida a sua obscenidade primeira, o aço corta as carnes lenta ou rapidamente, dilacera os corpos já enfraquecidos pela fome, a doença e o medo. O gatilho voraz da matança: Metralhadoras automáticas, cargas de morteiros, Canhão de um tanque prestes a atirar, as torres de defesa continuam a agitar-se, mesmo após a morte de todos os soldados que manobravam.O grupo isolado enfrenta os carros da armada russa. Eles se refugiam em uma usina tentando desesperadamente escapar daquelas garras de aço.

O diretor sempre foi conhecido como um esteta da violência. Aqui ele pode dar vazão a sua paixão por perenizar essas imagens. Lembremo-nos das imagens mentais de Steiner sobre o campo de batalha e as imagens do resultado de tudo isso que vemos no hospital. Face ao fim do mundo, existe somente um caminho para Steiner. O amor que eles tem pelos seus homens. O beijo entre dois soldados exprime uma ligação de estima, de respeito e de amor (não uma pulsão sexual, mas algo mais forte que isso) que somente pode ser suplantada por um outro camarada do front. A pulsão sexual não seria mais que uma pulsão bestial diante do contexto do fim de tudo, da pulsão da morte. Por isso ele volta ao front. Quando eles se deparam com a tropa feminina, as duas únicas vítimas são aqueles que não resistiram a essa pulsão bestial. O mais jovem se deixa enganar pelo choro feminino e é apunhalado. O segundo, um soldado violento é castrado de forma impiedosa. Tenho a impressão de que Peckinpah é contra a Guerra, mas não contra a violência. Ele crê que o homem dela necessita para sobreviver.

Por outro lado, nos é permitida uma outra leitura: Stransky é efetivamente um canalha. No entanto o que permite que a guerra permaneça e exista são indivíduos como Steiner. Afinal ele deixa a sublime enfermeira vivida por Senta Berger para ganhar novamente o front. Seria a pulsão da morte que o chamou, ou simplesmente a pulsão por tirar vidas. Só posso afirmar que se trata de um filme sobre não heróis. Mesmo o Capitão Kiesel, com seu aspecto negligenciado, fatigado, e roupas em trapos, representa mais o estado de espírito frente a derrota, que uma veemente crítica ao que ocorria na Guerra. É ele que dirá em resposta ao seu superior que depois da Guerra haverá tempo para se preparar para a outra.

Para complementar minhas impressões deixo aqui registrada a cena que mais me marcou. Aquela do corpo já achatado pela passagem de vários carros que jaz depositado numa poça lamacenta. Imagem seca, cruel e fria.

Não é meu filme predileto de seu diretor. Mas se trata de um filme muito bem realizado e de uma dubiedade que deposita sobre aquele que o assiste a interpretação sobre o que ocorre. Qual a tua opinião. Peckinpah não nos quis conduzir a aceitar a dele. Pois não sabemos o que pretendia.

Escrito por Conde Fouá Anderaos