Frequentemente nos lembramos de Iñarritu por Amores Brutos e 21 gramas. Filme com personagens fortes, cujos tormentos eram explorados sem comiseração. Esse cidadão era (é) um cineasta do qual muito se podia (pode) esperar. Capaz de estar a frente de produções questionadoras. No entanto algo mudou na vida do mexicano. Após ter seduzido a Academia com seu Birdman e sua técnica de um plano sequência de quase 2 horas o cineasta ficou estarrecido. Parece ter percebido que ganhar a mais alta distinção é algo fácil. Duro é ser merecedor de tal. Birdman não é um filme ruim. É até muito bom. Mas Iñarritu sabe que não merecia o prêmio. Entre os finalistas tinham obras de maior envergadura. No meu entender “O Grande Hotel Budapeste” era o melhor filme. Talvez essa seja a opinião do próprio criador de Birdman. Talvez isso explique muito de sua obra seguinte. Um filme que narra a história de um sobrevivente solitário numa América ainda em formação.
“Estados Unidos. Século XIX. Em uma América profundamente selvagem, Hugh Glass, um Caçador, é atacado por um urso e fica gravemente ferido. Abandonado por seus companheiros de expedição (do qual era o Guia), é deixado para morrer. No entanto ele recusa a morte, já que viu impotente seu filho perder a vida diante de seus olhos. Sozinho, armado somente de uma força de vontade descomunal e de um desejo de vingança idêntico, ele enfrenta um meio ambiente hostil, vencendo centenas de quilômetros, para ir em busca de um homem. A vingança será seu ato de redenção.”
Um filme de performance dupla. Trata-se primeiramente de uma performance de um realizador, buscando provar a si próprio que é capaz de realizar um filme grandiosamente visual, fazendo uso de cenários e de uma iluminação natural (alguns efeitos discretos – como algumas aberturas de lente mais incisiva). E o diretor sabe valorizar os cenários. Ele prova ser também um ótimo espectador do que melhor produziu o cinema. Os movimentos dos aglomerados de pessoas e a respectiva multiplicação dos pontos de vista nesses espaços organizados são feitos de maneira eficaz e funcional (acampamentos geralmente) se mostrando fluidos e organizados de uma forma vídeo-lúdica (como nesses videojogos de ação-aventura de ficção histórica que se passam num ambiente de mundo aberto).
A outra performance diz respeito ao ator. De todos os corpos que vemos na tela, aquele que emerge e se destaca no mar de gelo é o de Leonardo Di Caprio. A sua busca em torno da consagração na festa da Academia continua. Interessante que Iñarritu lhe busque como parceiro nessa empreitada. Um tentando provar que mereceu, outro buscando algo que no seu julgar já tarda. Aqui ele se entrega de corpo e alma a compor um personagem que pouco fala, uma figura icônica de um homem em perigo face a seu destino de mortal. O frio e a natureza esculpem cada uma das emoções pelas quais ele traduz suas aflições, e isso pode desencadear perante os nossos olhos civilizados, um quê de exagerado (falo quando parece tomado de paixão por carne e peixe cru que ele devora vorazmente ao pé da fogueira, ou quando se serve da carcaça de uma animal como último abrigo) mas é válido em termos de atuação.
Falemos no entanto da história. É preciso que nos interroguemos sobre a proposta desse cinema excessivamente aliciador em que se transformou o projeto. Um filme projetado para satisfazer os egos de seu ator principal e de seu diretor. Assim a trama do filme demonstra ser frágil. Finda a primeira hora, não se tem mais o que dizer, o filme se arrasta. Passamos a contemplar tudo como se víssemos uma propaganda de um cigarro ou perfume. Não existe discurso, o filme não inquire e não reflete sobre o embate entre civilização e barbárie e ficamos sedentos por algo menos estético e mais profundo (Broken Arrow, 1950; Hondo, 1953 ou Little Big Man, 1970). Não possui nenhum outro discurso e se contenta em se desenrolar quase que inteiramente sobre si próprio e o seu vazio (um vácuo que se julga ornado de sentido). O relacionamento com o índio que lhe ajuda é abruptamente interrompido. O mesmo ocorre com a eliminação sumária de Andrew Henry. Parece que a obra se encaminha para estarmos diante somente de DiCaprio e Iñarritu. E um não elimina o outro, já que seria dar um tiro nos respectivos pés. Dois parasitas grudados num filme que se tornou um tronco sem galhos. Só não digo estéril, pois pode premiar o ator (imerecidamente por essa obra, mas justo pelo conjunto do que já realizou) e dar a Iñarritu mais uma ilusão de merecimento.
Um cinema que se finca sobre a regressão. Um homem, uma câmera, nenhum gênero a reconstruir. Preso em si próprio. Narcisista ao extremo, acaba por ser tornar algo enfadonho e sem vida.
Uma película plasticamente impecável com um ator de talento e um diretor de qualidade. Faltou somente uma história ser filmada. Um roteiro seria pedir muito? Ou existia o medo de que uma história ofuscasse os dois astros?
Escrito por Conde Fouá Anderaos