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O Escritor Fantasma (2010)

“Escritor fantasma é o nome dado a pessoa que, tendo escrito uma obra ou texto, não usufrui os créditos da autoria – ficando estes com aquele que o contratou ou comprou o seu trabalho. No presente filme um consagrado escritor fantasma é convidado a escrever as memórias do antigo primeiro ministro britânico, Adam Lang. Mais o que parecia ser um trabalho fácil e lucrativo, mostra-se sombrio, já que seu predecessor morreu de uma forma suspeita. ”

O filme de Polanski quando de seu lançamento despertou muito mais atenção em várias partes do mundo devido a semelhança entre o que ia na tela, e o que se dava na vida real. Achavam que a obra (não sem certa razão) excedia os os limites do écran. A coincidência entre sua atual reclusão domiciliar e aquela do ex primeiro ministro britânico fictício (Adam Lang – Pierce Brosnan) acusado de crimes contra a humanidade (Guerra do Iraque). A simetria inversa de seus exílios, afinal os EUA que ameaçam o polonês com uma deportação para que pague o delito cometido em solo americano, vira o único refúgio possível para o antigo político, já que os americanos não reconhecem a legitimidade do tribunal de Haia.

Deixemos, no entanto, de nos concentrarmos no filme em si, e postemos nossa atenção na recepção (acolhida) que o filme teve ao redor do mundo. A crítica e o público que se dispôs a conhecer a obra compreenderam que se trata de um filme muito bem urdido. As avaliações em geral no tocante as notas coincidem. Só que a intelligentsia (crítica) saúda a obra como se ela virasse um salvo conduto para as atitudes do cineasta fora da esfera artística. Em setembro de 2009 (meses antes da saída da obra no circuito comercial) Polanski foi detido em Zurique para cumprimento de um pedido de captura internacional emitido em 2005 por um caso de violação (ou estupro) de uma menor de idade ocorrido em 1977 em solo americano. Em novembro de 2009, Polanski consegue êxito em sua defesa e não é extraditado conseguindo a liberdade condicional ao custo de uma fiança milionária. Ele obteve o apoio político e intelectual de muitos, apenas pelo motivo de ser perseguido por aquilo que eles consideram um inimigo maior: os EUA. A crítica então estava sequiosa de manifestar que tal apoio não foi em vão: trata-se de um artista grandioso, não um criminoso comum. Esquecem que justamente é o fato de ser um grande artista que o torna alvo da sanha dos juízes americanos. Dois motivos nada nobres, um para justificar a sua perseguição, outro para solicitar a sua absolvição. Os que querem sua detenção muitas vezes estão insuflados pelo desejo do linchamento público. Numa sociedade democrática, movida ainda por sentimentos menos nobres, a arte é um ultraje a igualdade. Por isso muitos adoraram ver a derrocada dos artistas.

O problema é que aqueles que defendem Polanski e se dizem a esquerda, se valem de argumentos usados pelos que antes combatiam: É o grande Polanski, acima do bem e do mal! E os EUA é um mal maior, afinal de contas. E alguns dos defensores de Roman o defendem dizendo que a vítima retirou a queixa posteriormente. A partir do momento que uma vítima de estupro, cansada de ser assediada por uma imprensa sequiosa de escândalos, retira uma queixa de um ato que existiu, esse ato de ilegal, passa a ser aceito? Ou seja, a retirada de uma queixa, isenta o criminoso do ato do estupro???A Justiça a partir desse momento não mais deve se intrometer? O Estupro e a ideia que carrega em si, deixa de ser um ato coletivo e passa a vigorar como algo isolado. Para mim o estupro não é um ato isolado. Ele diz respeito não só a vítima. É algo prejudicial a toda a sociedade e a todas as mulheres que a compõem. Lembremos que Polanski a época ofereceu bebida alcoólica a menor (13 anos a época. Falo a época, que uma pessoa que tem 13 anos naquela época, não tem a mentalidade de uma pessoa de 13 anos no mundo atual), lhe administrou um sedativo, antes de a obrigar a fazer sexo anal. Aceitou em troca da oportunidade para responder em liberdade (ficou quase dois meses detido), assumir que tinha tido uma relação sexual (e não cometido sodomia, fornecido álcool, sedativo e a estuprado).

Que ele tenha talvez realizado tal barbárie seja fato, não dá direito aos que querem sua cabeça, de encontrar no filme apenas a misoginia. Alguns encaminham sua visão a ver no filme somente uma história para direcionar um ataque as mulheres. Isso soa-me deveras irônico. Que eu tenha rememorado um caso de sua vida privada, é para constar que não sou um alienado. Que eu me valha disso para criticar seu filme, só terá utilidade, se tal servir para enriquecer uma visão sobre a obra. Levando em conta, logicamente, não o fato ocorrido após o término das filmagens, mas sim o impacto de tais experiências na forma do artista burilar o material que colocará na tela.

Soa-me irônico que Polanski tenha retornado aos holofotes, não pelo belo filme que lançou. Não foram as razões cinematográficas. Infelizmente, os críticos debruçaram-se sobre a obra, buscando encontrar nela, elementos de defesa ou de ataque contra o problema extratrabalho do diretor.

O filme legado, nos traz Polanski em excelente forma, deixando para traz o academicismo de seus trabalhos anteriores (“O Pianista” e “Oliver Twist”) para fazer ressurgir as virtudes que o consagraram na década de 60 e 70. Uma maravilha de precisão e de equilíbrio, diálogos precisos, suspense permanente, toques de humor curiais e dosados que evitam que o filme se prenda a uma seriedade enfadonha, roteiro límpido, bem amarrado, sem nenhum sobressalto, conduzindo a história de uma maneira sempre imprevisível. Raridade, que o coloca no panteão das exceções, o roteiro e a direção convergem de maneira harmoniosa todas as pistas de uma intriga complexa, sem nos deixar perdidos em nenhum momento. O mérito cabe a ideia de sermos inseridos dentro do mundo dos poderosos, através de um idealista que nada entende de política. Um ser vulnerável a ao mesmo tempo febril por compreensão (Ewan McGregor em surpreendente tour de force). O resto de elenco parece escolhido a dedo de tão precisos. Olivia Williams descobriu o tom certo, num papel fascinante e ambíguo(forte e frágil, sedutora e seduzida, agressiva e ferida ao mesmo tempo). Pierce Brosnan, parece ter encontrado o homem que saberia explorar aquele senso de auto ironia que ele burilava por anos. Adam Lang é medíocre e sedutor, capaz de passar em frações de segundo da exasperação ao sorriso. Um ser inflado e firme diante das câmeras, prontos a nos convencer da segurança de seus atos; longe delas acuado. O típico político dos tempos modernos, carregando nas costas algo maior que a capacidade que possui.

A mise em scène rompe (como eu já sublinhei) com o academicismo que vinha pontuando suas últimas obras. A maestria de Polanski nos surge explosiva, sem amarras, desde a cena de abertura, onde a camêra se instala em uma atmosfera de constante expectativa e de uma tensão que se acentuará até o final de uma secura singela. Personagens normais que são mergulhados em ambientes venenosos, sem se darem conta do abafadiço que os cerca a postas fechadas. O Escritor mergulha num ambiente frio e hostil, ambiente fechado gélido cercado por uma ilha desnuda de vida. O ex primeiro ministro está enclausurado numa ilha prisão. Mesmo cenas que nos soam calmas, transformam-se em um suspense imprevisto – a viagem do bilhete de mão em mão é o ápice deste artificio.

Polanski entendeu bem a obra de seu roteirista. Harris inspirou-se no antigo primeiro ministro da Inglaterra (Blair) e sua relação suspeita com Bush, na Guerra do Iraque, pelo qual responde judicialmente. O Polonês era o diretor apropriado para materializar na tela isso. Deve ter se deliciado em transformar um país que o quer detido, no único refúgio possível para um poderoso que caiu em desgraça. De Polícia do mundo, a protetor de criminosos de Guerra. Irônico, não é verdade? Ainda mais ao ficarmos sabendo que ele fora apenas um títere dos verdadeiros criminosos.


Escrito por Conde Fouá Anderaos