As Três Noites de Eva (1941)

"Charles Pike, um rico e ingênuo americano, retorna a New York depois de passar vários meses na Amazônia. Durante a viagem de retorno ele encontra uma sedutora moça, Jean Harrington, que está a busca de um homem afortunado que a proteja e o qual ela possa esvaziar monetariamente. Acompanhada de seu pai que faz parte de uma troupe de vigarista eles cativam Pike. O problema é que ela cai amorosa e impede que o trouxa seja depenado. No entanto um mal-entendido faz com que Pike se afaste. Disposta a recuperá-lo ela fará tudo para se aproximar novamente..."

Trata-se de uma dessas obras que me laçou desde a primeira vez que a vi. E sempre que a ela retorno descubro uma nova faceta. No entanto o que me colocou a escrever sobre ela, foi um escrito muito bem urdido com o qual concordo, salvo a comparação (desmerecida a meu ver) com “Arizona nunca mais” - http://citizenkadu.blogspot.com.br/2012/09/as-tres-noites-de-eva1941-preston.html. Não tanto pelo tema, mas sobretudo pelo resultado que surge na tela.

Sturges foi (como bem diz aquele texto) um dos mais geniais roteiristas da antiga Hollywood. E como Wilder foi para trás das câmeras com o objetivo de melhorar os resultados daquilo que criava. Não teve o sucesso que alcançou Wilder, criticavam a suas mise em scène, mais vendo hoje suas obras, não percebemos tal fraquejar. O que salta a olhos visto é o roteiro sempre redondo, sem soluções fáceis e sempre mais profundo do que à primeira vista pareça. E os atores sempre estão ali para servir a história, o que não impede, que dêem o seu recado. A cena do frustrado café da manhã de Horace bebe na fonte do pastelão, e é uma gag tão bem construída (com uma crítica mordaz ao mundo dos ricos) que sempre que a recordo um sorriso saí-me dos lábios fechados. Pobre Horace. Tão frágil e esquecido, escanteado no Palácio que construiu. Que imagem patética e hilária.

O título original, bem como nome que ganhou em nossa terra já traz em seu bojo muito do que veremos: Eva. E será presa dessa Eva um herpetólogo. Que inteligência é essa do qual era dotado Sturges. Beber do livro sagrado, fazer uma releitura divertida de parte do Gênesis. E o elenco escolhido por Sturges para dar vida a esses geniais personagens, é de safra superior: Henry Fonda, Barbara Stanwyck, Charles Coburn (com sua elegância impar na pele de um trapaceiro), Eugene Pallette (Pobre Horace!) e tantos outros rostos conhecidos no auge de sua forma.

Na abertura do filme um letreiro traz o desenho animado de uma cobra que se entrelaça em um tronco de árvores tendo no canto da tela duas deliciosas e suculentas maçãs. Como não pensar no Jardim do Éden? A sátira ao texto sagrado é nítida. Adão (Pike) saindo do Éden se depara com Eva (Jean) que o faz balançar em suas convicções. Será a serpente um dos fios condutores da história. É essa serpente que vive na cabine de Pike que despertará em Jean a sexualidade adormecida em prol dos tesouros alheios. É um símbolo fálico que causa uma angústia que a liga ao nascimento de uma intimidade maior e o despertar da sexualidade.

A primeira refeição de Charles é vista sob a ótica de Jean que de longe vê as tentativas frustradas das pretendentes em atrair a atenção do jovem. Quando dá o bote, Charles (Adão) tem sua primeira queda. Mas até ali Jean é a serpente, não a Eva. A sua transformação em mulher se dará paulatinamente no momento em que se depara com a Cobra solta na cabine (cena que não vislumbramos, somente a carreira assustada de Jean). A partir desse instante dá-se a mudança: - Você é mulher queridinha, a cobra aqui sou eu; parece dizer o réptil.

Outro detalhe que não passa despercebido de Sturges é a possibilidade de se explorar o pastelão a exaustão, sem que isso incorra no erro da incoerência. Adão (Charles) sofrerá no decorrer do filme várias outras quedas, todas elas remetendo a queda original. É a dessacralização do mito diante do mundo moderno. Charles é um personagem estranho, fechado em si, tolo por assim dizer. As quedas que sofrerá reforçam essa idéia. E por assim dizer o tornam simpático. Gostamos de ver crianças, de lembrarmos de nossa infância. E o idílio que surgem entre Jean e Charles é puro, inocente. No entanto a humanidade é adulta. Não existe permissão para esse tipo de sentimento. Quando o agregado mostra a Charles quem é verdadeiramente Jean e o Coronel Harrington o romance fenece. É o fim.

No entanto aqueles dias não foram em vão. Sentindo-se traída, Jean decide o reconquistar. Surgira como uma mulher diferente: Eva. E o homem será novamente seduzido. Logicamente que agora Jean ganhará a tela como uma mulher de verdade, mas com um verniz falso. Verniz esse que lhe servirá de proteção. Tida como uma mulher perfeitamente adequada a sociedade, Charles a desposará. E Eva lhe mostrará uma faceta das menos dignas. Não teria sido melhor acreditar no sentimento da vigarista, do que na aparência da mulher da sociedade? Fim de novo. Só que do casamento.

Para superar a decepção, Charles resolve se esconder novamente na Amazônia. Mas é o mesmo Charles. O Paraíso ainda existirá? Quando reencontra Jean no navio percebe que sempre a amou. Danem-se as convenções sociais. Nesse momento ambos irão se conhecer biblicamente. É o fim.

Escrito por Conde Fouá Anderaos

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