“Uma mulher doente, voluntária do exército da salvação, agoniza. Cientes de que seu tempo se esgota, seus amigos querem lhe satisfazer o úl...
“Uma mulher doente, voluntária do exército da salvação, agoniza. Cientes de que seu tempo se esgota, seus amigos querem lhe satisfazer o último desejo: trazer a sua presença David Holm. Ele era um homem rude e cruel que ela queria reconduzir ao caminho reto. No mesmo instante, Holm se encontra num cemitério com outros dois amigos alcoolizados, rememorando um antigo companheiro morto que lhe havia dito que segundo uma lenda o último morto do ano (era véspera de ano novo), se fosse um pecador, deveria conduzir durante um ano “A Carruagem Fantasma” recolhendo as almas dos defuntos. Uma briga ocasionada pela sua recusa em visitar a irmã do exército da salvação, faz com que ao soar das badaladas do dia que morre, David morra e ...”
Baseada em um escrito da Nobel da Literatura de 1909 (Selma Lagerlöf) a história até hoje impressiona. Aliás vendo-se a filmografia sueca daquela época, nota-se que essa autora serviu de inspiração a chamada vanguarda sueca da época, pois seus dois maiores cineastas (Victor Sjöström e Mauritz Stiller – esse um finlandês que se radicou no pais) realizaram filmes inspirados em suas obras. Stiller dirige Herr Arnes Peningar (1919), Gunnar Hedes Saga (1922), e Gösta Berlings Saga (1924), esse último o filme de estreia de um mito: Greta Garbo. Sjoström se vale da autora para realizar algumas: Tösen fran stormytorpet (1917), Ingmarssönema (1919), Karin Ingmarsdotter (1920) e “A Carruagem Fantasma” (1921) . Por essa curta exposição já podemos ter a ideia de que a Suécia graças a esses dois diretores foi por um pouco mais de uma década um dos faróis do cinema mundial.
Uma das maiores críticas feitas ao filme seria que ele se enfraqueceu, envelheceu mal, sobretudo devido ao seu lado moralizador. Talvez aja um exagero em tal afirmação, já que por se inspirar em uma obra literária, existe a necessidade de se manter de certa forma fiel a mesma. Por outro lado também cometemos o pecado de se exigir de seu realizador uma mentalidade coeva. E existe também aquilo que Rousseau criticou em relação aos escritos de Montaigne: Que uma civilização aceitaria como normal algo que para outra seria um crime. Rousseau critica a ideia de que não haveria exceções. Para o francês, certos valores transgredidos seriam crimes em qualquer época e lugar: estupro, pedofilia, etc.
No filme sueco se critica a visão de que o pecado existe. Junge-se ao ser humano uma mentalidade heterônoma, de se cumprir algo imposto, quando em realidade o próprio ser está ciente de que o que comete é um desatino. Mais estamos no começo do século XX e a força da religião vicejava mais forte.
Os males do alcoolismo tão criticados naquela época (veja a lei seca nos EUA) é hoje incentivado pelo mercado que viu no ser humano um consumidor em potencial. O filme devido ao excelente jogo de atores e um roteiro que vagueia entre o misticismo e o realismo; a metafísica e a necessidade de se construir uma sociedade mais justa, bem como o sentimentalismo sendo aparado pela violência, por interpretações que nos levam a crer que todos estão em estado de transe, tamanha a eficácia dos sentimentos que conseguem transmitir. E Sjöström era também um ator de grandes recursos, soberbo em cada cena, sem necessariamente sugar para si toda a atenção, mas sim contribuindo para engrandecer o quadro como um todo.
No aspecto visual o filme convence até hoje. A charrete caminhando sob um céu noturno, acima das águas é um regalo.Longo e magnífico trabalho de Julius Jeanson que obtém tais efeitos especiais em extenuante trabalho de laboratório. Essas trucagens dão a imagem um tom de poesia artesanal que nem o avanço da tecnologia faz com que se esvaia o encanto. O filme ainda transmite uma forte experiência de êxtase a quem assiste. Trata-se sim de uma obra prima de uma produção que necessita ser mais bem conhecida. Nem só de Bergman viveu o cinema sueco. E hoje podemos creditar sem errar a esses pioneiros importante contribuição na formação do gigante Ingmar Bergman.
Escrito por Conde Fouá Anderaos