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“... não se entreguem aos brutos, homens que vos desprezam e vos escravizam que arregimentam as vossas vidas, vos dizem o que fazer, o que pensar e o que sentir, que vos corroem, digerem, tratam como gado, como carne para canhão.”

Chaplin – Discurso final de “O Grande Ditador”

Estamos encarcerados dentro de um sistema onde a cada dia, em vários cantos de nosso planeta (que deveria ser o nosso lar) movimentos terroristas e serviços secretos travam uma guerra particular em nome de ideologias que supostamente se opõem. Onde a oposição? Terroristas e agentes secretos vivem quase que uma mesma vida. Estão condenados a clandestinidade, a não poderem ser eles mesmo; as estratégias de manipulação são inerentes a ambos os lados. Aqui os dois oponentes se assemelham. Um é Alex, Chefe do Serviço Secreto Francês, outro Barad, líder de uma rede terrorista. Ambos frios, inumanos mesmo, robotizados por um sistema que lhes tirou a alma faz tempo e que se valem de estratagemas terríveis para amealhar adeptos para suas crenças da maneira mais cruel possível. Aqui a história será contada através de dois personagens que serão regimentados de formas distintas. Uma jovem estudante de árabe que vendia seu corpo com uma identidade falsa para atender suas necessidades materiais. O outro, um jovem desorientado que não consegue se entender com a sua mãe. De forma distinta serão vítimas de sistemas que o recrutam como carne fresca para seus objetivos. Ainda que aparentemente as trajetórias soem diferentes, o final do trajeto é o mesmo: a maquinização do homem.

Os primeiros 10 minutos do filme nos situam dentro dessa podridão. Rápido, direto, de forma encadeada, colocando-nos dentro de uma atmosfera asfixiante ao nos postar imagens tão próximas de nosso cotidiano. E o que soava como suspeita nos é revelado como certeza ao término da projeção. Tratava-se de caça de carne fresca. Bucha para canhão. Podem chamar de mártir ou agente secreto. Trata-se apenas de carne para aqueles que o manipulam.

Diane (a linda e convincente Vahina Giocante) adentra num turbilhão onde se acreditando amada e amando, é recrutada pelo serviço secreto, sem poder até atinar por qual motivo. E tem-se inicio um treinamento que mais aturde que explica o motivo. E nós que assistimos também somos tragados pelas engrenagens e não possuímos tempo para questionamentos. Do outro lado Pierre (Nicolas Duvauchelle) é um desorientado jovem que é vítima de uma armação e crê-se salvo por pessoas que acredita estarem preocupados com ele. Em realidade foi colocado em situação extrema para sentir gratidão pelos que supostamente o defenderam. Tornar-se fiel a crença de quem o salvou. Ou infiel as suas origens, depende do ponto de vista de quem já foi arregimentado pelas ideologias que se dizem distintas. Métodos de recrutamento tenazes, atordoantes e convincentes, que negam qualquer possibilidade de reflexão. Uma verdadeira descida ao inferno.

A maior força da narrativa, a grande virtude é essa não tomada de posição. Não se pretende aqui tomar partido. Mostram-se os fatos, os encadeiam de forma lógica e vertiginosa e deixa a conclusão para um espectador aturdido. A narrativa é ágil sem, no entanto soar um filme de ação americano (para o bem ou o mal). Existe uma característica tênue, um estilo reflexivo que o separa do que é feito nos EUA. Alex (Gerard Lanvin) urde uma estratégia para prevenir um ataque terrorista. Para ele o agente é uma arma, não um ser humano. Isso será repetido a exaustão durante a trama. Barad (Simon Abkarian) o seu suposto oposto também manipula, joga com a vida de seres humanos, desafiando tudo e a todos que cruzam seu caminho. Como um General de uma causa maior, ele se permite de excessos, como se a armadura com que se acha investido o protegesse das impurezas com que lida. Outro acerto raro em filmes dessa monta, é que nós não nos perdemos dentro desse enredo em constante mudança. Nada nos soa inverossímil e tal é realizado sem nos parecer didático (no sentido de enfadonho).

O filme dura pouco mais de 100 minutos, Um tempo que nem parece longo, tampouco curto. Os diálogos estão bem escritos e o elenco funciona perfeitamente: Duvauchelle encarna um personagem caricatural (afinal todos os manipulados soam iguais) que paulatinamente se vê em queda livre buscando um sentido para uma existência vazia. A depauperação psicológica e física é crível e o ator demonstra possuir a sensibilidade necessária para nos transmitir essa gama de emoções e aflições pela qual passa seu personagem.

Vahina Giocante é uma grata surpresa (não a conhecia). Acreditava que estava ali devido sua compleição física bela. Mas dentro da bela embalagem existe uma joia rara. É comovente e convincente as nuances de sua interpretação. A mescla de tomada de confiança e fragilização (ou impotência) no seu embate na demanda de servir sem se tornar uma máquina. É de longe a grande surpresa do elenco.

Gerard Lanvin é um bloco de gelo perene perdido no oceano do mundo, que não se comove em momento nenhum. Seu discurso repetido a exaustão apesar de terrível, acaba por cair na monotonia. E quando nos damos conta da existência da enfadonha monotonia percebemos a fragilidade dos sentimentos guardados a sete chaves. Um ser prestes a implodir a qualquer momento. É tênue a linha que o separa da loucura.

Simon Abkarian compõe um terrorista religioso despojado de roupas que o liguem a tal. É na alma que ele está vestido como lobo. Todo grande filme de ação necessita de um vilão instigante. Esse é o caso aqui.

Para aqueles que se deliciam com os filmes de ação e espionagem realizados pelos americanos seria interessante ver o que os franceses fizeram aqui. Não fica nada a dever ao que é realizado de bom dentro do solo americano. Ainda que o tempero soe distinto, o produto é o mesmo.


Escrito por Conde Fouá Anderaos

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