Vi neste domingo “O Artista” (19/02/2012). Não sei qual será a reação que o público terá em relação a ele aqui em nosso país. Devido a boa acolhida na Europa e nos EUA, posso supor que esse filme tem possibilidades de angariar um público respeitável. Agora aqui na cidade de São Paulo ele se encontra alijado das salas de projeção de alguns shoppings mais próximos a periferia. Talvez por que os distribuidores não acreditem que um filme preto e branco e mudo tenha atrativos entre os menos escolados. Curiosamente foi a população mais carente que alçou o cinema a imortalidade. E esse filme parece clamar a nossa atenção justamente em um período em que o Cinema parece novamente trilhar por uma nova revolução tecnológica (com o avanço da qualidade do 3D). E talvez de forma inconsciente ele nos toca e comove ao nos deslocar para uma época onde também uma nova tecnologia iria suplantar a outra. O Cinema falado em seu início foi um desastre. Sequiosos de oferecer ao público a possibilidade de ouvir a voz humana, as produções olvidaram muitas vezes os outros elementos constitutivos de um filme, já que a atenção do público estava voltada somente para o som da voz humana. Assim os filmes mudos foram substituídos por maus filmes sonoros. Em 1928 os filmes mudos tinham alcançado o auge no que se refere às qualidades técnicas disponíveis à época. Logicamente que a obsessão por captar o som, fez com que tudo se voltasse nessa direção. E os roteiros passaram a se destinar a trazer a ação para ambientes fechados, onde todos os atores estivessem diante de microfones camuflados em objetos de uso cotidiano (vasos, quadros, telefones, etc). Os atores ficavam mais imobilizados e o cinema engessado nesse início do sonoro. Dizem erroneamente que Chaplin era contra a sonoridade no cinema. Mentira deslavada. Ele incorporou algumas das novas possibilidades fazendo uso de uma trilha sonora e ruídos nos seus filmes (“Luzes da Cidade”, “Tempos Modernos”). Ou seja, aceitou a modernidade, desde que ela ampliasse as possibilidades cinematográficas. Não queria o engessamento do que fora desenvolvido até então.
Talvez não seja mais que uma simples obra de maestria técnica, mas O Artista é desde já uma bela cópia de aluno aplicado: intensidade de interpretação e da mise em scène, cuidado devotado com a fotografia e a reconstituição histórica, tudo ali se encontra. Eu mais severamente poderia criticar a limpeza dessa fotografia, que é extremamente perfeita para um filme daquela época. Ai está a argúcia de seu diretor. Fazer um filme que soe deslumbrante para os expectadores de hoje, assim como os de outrora eram o mesmo para os espectadores de antanho. E Hazanavicius felizmente não se prende a uma só época e homenageia não somente a era muda, mas, sobretudo os clássicos que a resgataram no passado(Cantando na chuva, Luzes da ribalta, Crepúsculo dos Deuses, Nasce uma estrela). O auge da queda e a redenção de George Valentin oferecem certamente não só um passeio sobre os grandes clássicos do mudo (tristemente desaparecidos das telas grandes dos espaços públicos), fundadores do cinema de ontem e hoje, mas solapados por conta da constante evolução provocante e assustadora de uma arte tão cruel quanto que generosa, em perpétua mutação (e justamente por isso, sempre mágica). Navegamos durante a projeção de “O Artista” na história da construção da própria sétima arte, que se não está visível em primeiro plano (a história de uma simplicidade ímpar, dá-nos a certeza que já vimos aquilo que é projetado várias vezes) se esconde por trás de cada enquadramento. Hazanavicius nos conduz em uma história já sabida. O Artista tem como objetivo trazer a tona que toda mudança deve ser feita com menos afã e mais raciocínio, mas que ela virá, pois nada permanece estagnado. Um dos grandes erros é acreditar que ao vemos “O Artista” estaríamos mergulhando novamente na era dos filmes não sonoro. “O Artista” é um olhar de hoje, valendo-se do legado tecnológico deixado por todos que contribuíram na construção do “Cinema”. Se existe referências a época silenciosa, a concepção da obra, não é idêntica aquela dos filmes anteriores ao cinema falado. O ritmo é mais ágil, a idéia de se contar algo já sabido, também contribui para que tudo seja rapidamente compreendido e o espectador de hoje não se sinta desconfortável. Uns poderão ver isso como um defeito. Eu por mim não posso condenar a opção de seu criador. É uma obra de hoje, que mergulha no ontem, e faz uso sim de todo o conhecimento legado. Seu grande mérito é chamar a atenção de todos para um mergulho nos filmes silenciosos de ontem. O resultado de “O Artista” é muito bom, já que quando se venera algo, a magia talentosa transforma o exercício de estilo em algo com momentos maravilhosos.
A escolha do elenco foi muito boa. Jean Dujardin está perfeito com uma atuação que mescla comedimento e arrojo, valendo-se do seu físico para também transmitir emoções. Ele desenrola assim de forma briosa, toda uma palheta de emoções dissimuladas; de olhares, de lábios pintados, de rosto que se enruga para que tudo se plasme na tela, tudo o necessário para fabricar as palavras corretas que jamais serão ouvidas. Jean Dujardin é um glutão sequioso de inserir em si e recolocar na película aquela camada de nostalgia, permitindo-se um espaço para ser cabotino, como eram muitos dos atores do cinema mudo (Douglas Fairbanks, Rodolfo Valentino, etc), sem no entanto cair na armadilha da caricatura ou de fincar sua imagem na figura de um deles especificamente.
Bérénice Bejo (que eu não conhecia) está deslumbrante e sua presença dota a tela de um frescor raro nos dias de hoje. Jeff Cromwell contido como o mordomo de Valentin, marca sua presença como um personagem bem comum nos filmes de época. O produtor vivido por John Goodman também está impagável em sua curta e marcante presença no filme.
Se o final do filme é uma homenagem clara ao musicais que surgiriam na tela com vigor nos anos seguintes, ainda que bem executado, longe está do brilho daquela época e (me perdoem os produtores) faz com que ainda eu prefira os originais que o número bem coreografado que encerra o filme. Fez-me lembrar quão grandes foram (e ainda são) Fred Astaire, Gene Kelly, Eleanor Powwel, Ginger Rogers, Debbie Reynolds, etc.
O Artista é um filme que merece o estrondo que vem fazendo. Numa época de transformação dentro da indústria cinematográfica, cumpre com dignidade a função de mostrar a veneração que impulsiona os artistas a criarem e manterem a sétima arte.