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Aconteceu Naquela Noite (1934)

Quem me conhece sabe a estima que nutro por tal obra de Capra. Devo a essa obra aquilo que eu chamo de toque de magia, o portal que me levou...

Quem me conhece sabe a estima que nutro por tal obra de Capra. Devo a essa obra aquilo que eu chamo de toque de magia, o portal que me levou a amar o cinema. Antes de tal filme jamais conhecera o cinema. Aquilo que se dera naquela noite, as imagens que me ficaram na retina, a compreensão que passei a sentir após tal experiência. Sei que talvez pudesse ter ocorrido com outro filme, outra hora. Mas deu-se naquela noite. Daquela data em diante o cinema fisgou-me de forma definitiva. E outras obras me encantaram e se descortinaram antes meus olhos. Passei a ser mais seletivo e questionar mais o que assistia.

Antes de adentrar no filme propriamente dito, cabe fazer um pequeno histórico. Quando da realização desse filme Frank Capra já era um nome em ascensão dentro da indústria cinematográfica americana. Na premiação do Oscar anterior disputara como melhor diretor e filme. Pagara o maior mico de sua vida, quando foi anunciado o Oscar de direção e o apresentador dissera: “Venha buscá-lo Frank.”. Não se referia a ele, mas sim a Frank Lloyd que abocanhara os prêmios de melhor filme e direção (“Cavalgada”). Capra que já se dirigia ao palco tivera de retornar para seu assento sob o olhar de todos. Antes se empenhou em dirigir o seu “O último chá do General Yen” com o intuito único de abocanhar estatuetas.

Era de se supor que o diretor estivesse ansioso por acertar. Mas ninguém faria nenhuma aposta nele nesse novo empreendimento. Baseado numa novela de Samuel Hopkins – Bus Night (publicada numa revista), que Capra lera num salão de barbeiro, já trazia em seu bojo o sentido de fracasso. Uma história com ônibus jamais daria certo diziam. Capra não pensou assim. Comprou os direitos por uma quantia irrisória e passou-a a Robert Riskin para que escrevesse o roteiro. Uma mudança significativa foi trocar o ofício do personagem principal (de pintor a Jornalista).

Iniciou-se os problemas. Convencer um estúdio da viabilidade da história para produzi-la. Quando a Colúmbia se interessou, Louis B. Mayers da MGM, convicto que o empreendimento redundaria em grande fracasso, obrigou como forma de punição que seu astro Clark Gable, por força contratual fosse assumir o cast. Quanto à personagem feminina, bem... Nada menos que Myrna Loy, Constance Bennett, Margaret Sullavan, Bette Davis, Loretta Young, Carole Lombard et Myriam Hopkins recusaram-se de forma definitiva a assumir o papel. Claudette Colbert impôs várias condições: Ganhar o dobro do habitual e que as filmagens não demorassem mais que 5 semanas – para que não atrapalhasse suas férias. Para sua surpresa houve concordância e ela pegou contrafeita o papel de Ellie. Finda as rápidas filmagens, as declarações do par central não agradaram. Gable não entendera o que fizera e Colbert dissera que fora o pior filme que já realizara. O filme estreou e foi recebido de maneira fria pela crítica. Quando ganhou os rincões dos EUA começou a crescer na bilheteria. O sucesso foi tão estrondoso, que ele retornou em vários grandes centros. Foi o público que o descobriu e obrigou os críticos a fazerem uma reavaliação. O resultado foi que Gable foi alçado ao posto de astro intocável dentro da MGM. Capra ganhou o reconhecimento sendo alçado ao posto de diretor mais importante dentro dos EUA à época. Colbert acabou por se retratar e o filme ganhou os cinco principais oscars.

Mas a que se deve tal sucesso? Em primeiro lugar creio eu a velocidade imprimida à película. A comédia ligeira se diferencia das demais devido a seu ritmo. Em pouco menos de duas horas percorresse distância enormes (não só físicas, mas também aquelas da escala social). Como um homem desempregado, dado a bebidas e sem polidez social conseguirá seduzir uma jovem riquíssima, bela e espirituosa ao ponto de desposá-la com o consentimento do pai? E ainda fazer com que o casamento anterior seja anulado? Tal aposta prende a atenção desde o primeiro momento. Nós não a percebemos de inicio. Tais premissas ficam em um segundo plano. Também somos seduzidos pelo jogo de rato e gato do par central.

Outro acerto de Capra foi filmar cenas externas, levar a câmera para as estradas. Notemos que muitas das cenas filmadas ocorrem em situações em que vislumbramos apenas as silhuetas dos atores e ouvimos as suas vozes. Num mundo onde a luminosidade ainda não vigorara de maneira definitiva, tal escolha teve o acerto de tornar mais nítida a verossimilhança com o mundo real.

O elenco de apoio é magnífico. Os tipos que cruzam o caminho do casal são marcantes e verossímeis. Até o motorista do ônibus dá o seu recado. Parece que Capra permitiu que os sem vozes se fizessem presentes e não se tratava de uma comédia com cunho social. As pessoas viam-se no filme, num ambiente que lhes era conhecido. E vislumbravam também aquele mundo dos mais afortunados e as suas facilidades.

Outro ponto positivo foi fazer com que o Cinderelo fosse um homem escrupuloso. Ele mostra-se afável (prepara os alimentos), nega-se aproveitar do que despertara na jovem herdeira (não permitiu que ela caísse em seus braços) e ciente de seus sentimentos busca poder lhe oferecer algo. Essa premissa de mostrar que os de baixo da escala social têm valores e escrúpulos acaba engrandecendo o ego de quem vê o filme. Certamente a maioria que acorre aos cinemas não pertence ao alto da pirâmide social.

Capra acerta também ao dar uma reviravolta no fim. A separação de ambos quando a coisa já se ajustou perante a plateia é genial. Serve para que o pai de Ellie perceba as qualidades do homem que conquistou sua filha – já que conhece toda a podridão de caráter do noivo/marido.

Agora pouco se fala da erotização da obra. Ok, homem e mulher estão em camas separadas... Mas é tênue a barreira física que os separa, apesar da alcunha bíblica (muralhas de Jericó) tida como intransponível. Outra é fazer com que a heroína pusesse roupas comuns masculinas (pijamas) e aparecesse em cena meio desconcertada, sem aquela aura de estrela.

Capra acerta também ao fazer com que o par central sinta as necessidades do mais comum dos mortais: Fome, desejo e se sinta incomodado com isso. E as cenouras não deixam de representar outras coisas no imaginário popular. Ou seja, é tênue a linha que separa a elegância do malicioso.

Outro acerto da direção foi à naturalidade dos atores em cena. A cena da canção no ônibus é tão real, que parece que os envolvidos não perceberam que estavam sendo filmados. E várias tomadas até hoje são marcantes. Diz a lenda que Gable ao comer uma cenoura durante a cena da Carona, teria, segundo Bob Clampett, servido de inspiração para a criação do Pernalonga. Pode ser verdade, pode ser mentira, mas várias cenas foram copiadas a exaustão pelo Cinema, sem jamais atingir ou igualar a película original.

A tomada final é coisa de gênio. Sem nada mostrar todas as barreiras foram vencidas. Aquelas da trama e também aquelas impostas pela censura da época.

Considerada a primeira comédia ligeira, por lá se aventuraram depois diretores como Hawks, Preston Sturges, Gregory La Cava ou Leo McCarey.

Mas não se fiem apenas em minhas palavras. E não se deixem levar pela antiguidade do filme. O ritmo é tão intenso que parecesse ter sido filmado ontem. Raro momento onde o público e a crítica estão em comum acordo: Trata-se de um clássico.


Escrito por: Conde Fouá Anderaos.