Afinal, o que é 2046? Um ano? Um lugar? O Paraíso? Um quarto de hotel? Um trem? Uma cidade? Um livro? Uma esperança? Uma memória? Um passado? Uma recordação? O fim da autonomia de Hong Kong? A possibilidade de reaver os melhores momentos vividos? O encontro de um grande amor? Ou seria apenas um número? 2046 é a terceira parte da pseudo-trilogia de Wong Kar-Wai, que começou em 1991 com Dias de Loucuras, passou pela obra-prima Amor à Flor da Pele de 2000 e se encerra aqui, no ano de 2004, onde o liganção entre os filmes ocorre pelo simples fato de se ambientarem em um mesmo universo e compartilhar entre si personagens e eventos, não sendo necessário ter assistido às obras anteriores para uma melhor comprrensão do que se vê. 2046 é a evolução de Amor à Flor da Pele, no ponto em que todos os elementos que caracterizam o tom onírico daquele filme (trilha sonora melancólica e repetitiva, fotografia de cores fortes e contrastes marcantes, montagem se utilizando da câmera lenta para reforçar a sentimentalidade do momento), porém, pode ser considerado um retrocesso se avaliado a partir do roteiro, que vêm com uma ousadia um tanto quanto diferente, mas que atrapalha no desenvolvimento do caráter psicológico das personagens, ficando muito abaixo do amor resignado que permeia a obra anterior. 2046 é o não-linear posto em ordem cronológica, a partir de uma história que pode ser dividida em quatro partes perfeitamente distintas, que são divididas, cada uma delas, em pedaços menores, embaralhados e lançados à tela, com um toque de edição que as faz transcorrer tal qual o tempo (ou uma linha de trem), seguindo sempre em frente, sem nunca retornar (exceto quando é distorcido pela saudade). 2046 é Chow Mo-Wan (Tony Leung Chiu Wai) tentando se esquecer de Su Li-Zhen (Maggie Cheung), sendo que para isso acaba por conhecer ou reencontrar diversas outras mulheres e até mesmo uma outra Su Li-Zhen (Gong Li). 2046 é o livro que Chow Mo-Wan escreve, sobre um lugar chamado 2046 onde apenas se chega por meio de um trem que viaja através do espaço e do tempo e para o qual as pessoas vão para relembrar de seu passado, visto quem em 2046 nada nunca muda, muito embora elas não saibam com certeza se isso é verdade, pois ninguém jamais retornou de lá. 2046 é a grande metáfora da vida, onde tudo que lá é dito, pode ser interpretado como uma àlusão à vida aqui fora, como por exemplo quando o trem passa entre os pontos 1224 e 1225, cujo frio intenso ali presente obriga os passageiros a se abraçarem para manter o calor (sendo numeros esses, coordenadas para datas do ano), podendo extender essa interpretação para o ponto de se afirmar que 2046 é uma metáfora de 2046. 2046 não é o melhor filme de Wong Kar-Wai, posto esse ocupado possivelmente por Amores Expressos, Felizes Juntos, ou até mesmo pelo próprio Amor à Flor da Pele, mas isso não impede que ele seja o mais empolgante de seus filmes.
2046 - Os Segredos do Amor (2004)
Jorge
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