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Satyricon de Fellini (1969)

Atualmente, quando vejo um filme recente, fico sempre com a sensação de que a ousadia no cinema morreu. Foi-se a época em que os cineastas t...

Atualmente, quando vejo um filme recente, fico sempre com a sensação de que a ousadia no cinema morreu. Foi-se a época em que os cineastas tinham a coragem para ousar, criando filmes tão desconcertantes quanto maravilhosos. Pier Paolo Pasolini era um cineasta ousado. Fellini também.

Federico Fellini (1920-1993) é hoje considerado um dos maiores cineastas da história do cinema. Dirigiu filmes que estão na lista dos mais importantes da sétima arte, como "Amarcord", "A Doce Vida" e "Oito e Meio". "Satyricon", de 1969, é o seu décimo terceiro filme, e talvez um de seus filmes menos conhecidos pelo público em geral. O filme é livremente inspirado no livro homônimo, escrito por Petrônio no século I de nossa era.

Satyricon, o livro, chegou até nós fragmentado. A narrativa, entremeada de passagens em forma de poesia, gira em torno de uma série de episódios envolvendo os personagens Ascilto, Encólpio e Gitão e suas aventuras pela Itália da época do imperador Nero. Mais do que um punhado de episódios aparentemente desconexos e sem muita ligação uns com os outros, o livro é uma crítica aos costumes romanos da época. Não faltam passagens picantes, aventuras sexuais, homossexualismo, antropofagia.

Fellini, a exemplo do livro, criou um filme também desconexo, ousado, que nos remete a um clima onírico. Tudo é exagerado. A história: Encólpio e Ascilto, dois jovens estudantes que vivem de trambiques, disputam o amor do jovem Gitão. Viajando pela Itália, envolvem-se nas mais diversas situações: participam de um banquete, enfrentam um terremoto, lutam com um falso minotauro, sequestram um semideus hermafrodita, etc. O filme foi realizado no final da década de 1960, época em que estourava a revolução sexual e os jovens adquiriam seu aspecto "rebelde". Não por acaso, o filme foi um sucesso na época de seu lançamento. Mais do que retratar os costumes decadentes da Roma antiga, o filme também pode ser visto como uma crítica à sociedade da época de seu lançamento: uma sociedade ousada, mas confusa. Os personagens se entregam aos seus instintos mais básicos. Visto hoje, as cenas, as cores berrantes, a narrativa fragmentada, tudo pode incomodar àqueles acostumados com os filmes modernos, de enredos simples. É preciso ver o filme com a mente aberta, como se estivesse vendo a representação de um sonho. Dessa maneira, o espectador ficará simplesmente maravilhado com um filme genial e crítico, com o qual Fellini foi merecidamente indicado ao Oscar.

Foi-se o tempo em que a Academia ousava, indicando um filme tão ousado ao Oscar.

Bons tempos aqueles. Os filmes eram reconhecidos por suas qualidades, e não simplesmente por sua capacidade para fazer dinheiro. E qualidades é uma coisa que Satyricon tem de sobra. Fica a pergunta a você, caro leitor: você está preparado para mergulhar nesta obra-prima e mergulhar de cabeça em toda a sua genialidade? Sinceramente, espero que sim!