“Simples empregada da limpeza de um laboratório governamental ultrassecreto do Governo Americano, Elisa leva uma vida modesta e solitária. Seu isolamento é aguçado pelas condições em que veio ao mundo: Muda. Mora em modesta moradia, tendo como vizinho um veterano desenhista que perdeu o bonde da história e tem sua vida dificultada pela idade que avança e a dificuldade de colocação dentro de uma sociedade extremamente conservadora (é gay). A vida de todos que a rodeiam sofre uma mudança brusca quando ela e sua colega Zelda se deparam com uma experiência extremamente secreta que tem lugar onde trabalham..."
O presente escrito, em sua grande parte irá se arvorar entre duas visões distintas e se atira a pensar a questão da monstruosidade e da violência no presente filme. O filme todo é construído no embate entre a monstruosidade física dos que se encontram a margem do que é aceito como digno (A Negra, o Monstro, O Gay, A muda, O Espião russo - todos em posição subalterna) e a monstruosidade moral dos que se encontram acima (Richard Strickland e o General; - visto como representantes de um sistema despótico e cruel).
A violência perpassa por todo o filme, nas relações existentes entre todos os personagens, mas nos fixemos em seu emprego pessoal, entre os personagens do Homem Anfíbio e de Strickland, e como ela se relaciona com a época retratada.
Deslocado do meio ambiente onde vivia, o ser anfíbio surge na tela como um monstro. O que é um monstro? No filme já o vemos transportado para um habitat que não é o seu e os indícios que nos chegam, através das primeiras imagens, não são nada positivos: Uma vítima de um ataque feroz sangrando e dois dedos arrancados. Alguém que se propõe a isso fazer, só pode ser um monstro. É assim, vendo de um ponto de vista único que nos é apresentado o “monstro”.
Educados que somos dentro de uma educação heterônoma, tudo que foge do padrão previamente estabelecido nos chega como ameaçador e subversivo. Somos policiados o tempo todo. Aquele laboratório ultrassecreto é em escala menor a própria sociedade em que estamos inseridos.
Com o desenrolar da trama nossa opinião mudará drasticamente. O homem bem-sucedido, dono de uma família plasticamente perfeita, que andará com os adornos de um veículo desejado por todos, fazia, despido de todas as aparências a verdadeira monstruosidade eclodir.
Saberemos então que a presente agressão nada mais era que um ato de defesa. Que o dito “homem” é o monstro. E quase ao final do filme, teremos a resposta que cala fundo: _ Você é mesmo um Deus! A violência retratada por Strickland e o grupo que ele representa não possui limites físicos ou morais. Eles retiraram a criatura de seu habitat e roubaram não só ele, mas também as riquezas daquele lugar, bem como destruíram toda a sociedade e o modo com que se relacionavam entre si. Nada disso nos é mostrado, mas as palavras que remontam a isso calam fundo no espectador atento, mais sensível e perscrutador. Não se trata de um filme fofinho, nem de um conto a maneira do que Disney produzia. Del toro não se entregou a indústria americana, a não ser naquilo que ela possui de benéfico para a sua obra.
O dispositivo usado por Del Toro é similar aquele do Labirinto do Fauno: Ele trará a tela um elemento fantástico que irá fazer eclodir o melhor e o pior da humanidade. Se no Labirinto o que desabrocha são os sentimentos amorosos de Ofelia, aqui, além dos sentimentos adormecidos de Elisa, o “monstro” servirá de catalisador para fazer surgir o verdadeiro eu de cada ser e suas potencialidades.
Del Toro inverte os postulados do filme de Arnold (O Monstro da Lagoa Negra) que lhe serviu de inspiração. Ao tirar a criatura de seu habitat e o transferir para os USA, Del Toro despinta, desfaz toda a visão idílica que tínhamos de uma América, que serviu para construir o que esse país é hoje. O vírus do consumismo enraizado dentro de nosso mundo, já se apresentava. Um monstro é cultuado por desfilar num bólido azul petróleo.
A mensagem subversiva do filme nasce da improvável voz dos que se uniram para fazer o que é correto: Um espião russo, uma negra, um gay e uma muda. Todos os personagens na base de uma pirâmide, invisíveis aos olhos dos que estão acima. O que sustenta a América são as minorias. Todas elas sem consciência de si e sendo dadas a acreditar que um dia estarão no comando. Strickland também não deixa de ser o representante dessa minoria. Só que alguém que se prostituiu e busca destruir tudo que possa refletir o que já foi um dia: ao torturar a criatura, nada mais fazia que buscar eliminar o que cultuava antes. Essa tentativa de perder a consciência de si é um dos maiores motes do filme. Que sistema é esse em que estamos imersos? Que nos solicita que deixemos de ser o que somos na essência: Humanos.
Del Toro no auge de sua forma. Transpira em cada tomada um amor pelo Cinema de forma desmedida. Sorve na fonte dos grandes clássicos, fazendo uma releitura moderna com toda a técnica que se encontra a sua disposição. Como é gratificante quando um diretor homenageia o lúdico, as virtudes olvidadas, o que fez o Cinema realmente vingar enquanto arte: Mescla de ecos da infância, contos de fadas, materializações de sonhos, superação de desafios para que você se torne algo melhor. Torço para sua premiação no Oscar. Se Iñárritu com seu esteticismo e talento já foi agraciado com a estatueta, por qual motivo um diretor extremamente mais talentoso e sensível não o deverá ser?
Escrito por Conde Fouá Anderaos
PS: Filme visto em 12/02/2018, portanto o escrito ainda se faz diante do impacto causado pela obra.