Mônica e o Desejo é um belo filme existencialista, sobre conflitos internos e entre pessoas. Sua abordagem cotidiana, atual mesmo nos dias de hoje, reflete a capacidade de Ingmar Bergman em criar, ainda que com alguns estereótipos, personagens muito próximos da nossa realidade. Revelando a rotina de muitas pessoas, Bergman foca em dois personagens do sexo oposto para criar um laço amoroso verdadeiro. Além de sintetizar com delicadeza a relação entre Harry Lund e Mônica, o cineasta construiu um dos mais belos filmes de amor, não ficando restrito apenas às belas canções românticas de cunho melodramático. Não há nenhuma afetação ao retratar esse sentimento no filme, que conseguiu expor os dilemas sociais e os tipos de família vigentes na sociedade.
Ocupantes da mesma condição social, Harry e Mônica diferem quanto ao seio familiar. O primeiro vive apenas com o pai. A segunda vive com pai e mãe, porém este vive bêbado e esta com crises de ansiedade. Ambos os jovens trabalham, possuem um emprego, talvez não o melhor, mas possuem. Porém, a difícil relação no trabalho, entre patrão e empregado, é o principal entrave na vida de Harry. Enquanto que na vida de Mônica, o principal empecilho é a insatisfação com a figura paterna.
Ambos então decidem fugir de suas amargas rotinas. Por possuírem um ideário em comum, acabam convergindo no mesmo plano, o de fugir com barco pelas ilhas de Estocolmo. Essa fuga da vida, quase que num tom poético, é a chave de Bergman para esse poderoso filme que revela, de acordo com sua época, a inocência libertária de uma juventude precoce e imatura. Seu singelo trato com as imagens, faz Bergman confirmar o domínio que tem sobre sua obra. Suas passagens por becos e vielas de uma cidade litorânea revelam a doçura com que trata das múltiplas relações, reacionárias ou não, entre patrões, empregados, mendigos, assediadores e malfeitores. Um retrato singelo e realista de grupos sociais cíclicos que retornam sempre no mesmo ponto, a partir do qual novas gerações se estabelecem.
Usufruindo de metáforas do casamento, Bergman mostra a fragilidade das relações e a sua efemeridade. A urgência em romper os limites impostos pela burocracia política é uma questão abordada no filme, cujo objetivo é revelar aos olhos que nem todo sentimento é genuíno. A felicidade não se compra, é conquistada, porém, ainda assim, podem haver turbulências. Quando Harry e Mônica passam alguns dias na ilha, ambos percebem o quão difícil é viver sem um amparo e sem o respaldo de quem quer que seja. A falta de comida e de recursos prejudica e estreita a relação dos dois para falsos conflitos conjugais. Afinal, eles ainda não são casados. Mônica tem apenas 17 anos, apesar de sua fisionomia madura.
Esse contraste entre expectativas e realidade é balanceado por Bergman num filme sobre decepções e tombos. A busca incessante por uma vida vagabunda, longe das responsabilidades, é a crítica mais árdua do enredo. Apesar da noção que Harry e Mônica tinham do perigo que estariam correndo, ambos se jogaram num jogo de faz de conta, como se estivessem numa fábula contemporânea perfeita e idílica. Oprimidos e rebeldes, todos que passam pela vida adolescente são. Alguns menos, outros mais, porém todos sentem raiva em algum momento devido a certas restrições impostas por ordens maiores.
Um dos filmes mais diretos e acessíveis de Bergman, Mônica e o Desejo narra um conto de fadas atemporal, sofrido, cheio de cicatrizes deixadas pelo rancor. Enquanto aquela lancha cruza os rios de Estocolmo, Mônica fuma seu cigarro tranquilamente como se não houvesse amanhã e o seu olhar, por vezes cheio de malícia, representa a vontade de muitos jovens que se sentem acuados por si mesmos, cuja mente grita por um vingança sem motivo plausível. Essa bandeira, que seria estendida depois em diversas manifestações culturais, ganha um charme aqui, tornando-se uma escultura de cristal nas mãos do cineasta sueco.
Essa repartição na mente dos jovens, tão abordada no filme, evidencia também o árduo dia a dia das pessoas, que acordam cedo para irem ao trabalho e acabam, muitas vezes, buscando um amor, o ter um ao outro. Isso Bergman traz a tona com muita pompa, narrando de forma clássica uma história de amor que acabou se tornando banal no fim do filme. Mônica tem um filho e o abandona, ficando para Harry a responsabilidade de cuidar do bebê. Nesse ponto, Bergman inverte o papel vigente do século XXI. Muitas vezes o homem é quem, por prazer instantâneo, faz o filho e dá no pé. Porém aqui, homem é colocado como injustiçado e mulher como a dissimulada, a fora da linha. Esse jogo é interessante e desconstrói um pouco a linha de pensamento machista, ainda que ela seja muito abundante e foi ao longo da história.
Bergman em nenhum momento se arrisca e, num filme com pouca trilha sonora, entrega em doses homeopáticas a sinestesia do amor, o delírio aparente provocado pela sua eclosão. Porém, existem falsas impressões e elas corrompem quem se joga de corpo e alma em tudo o que for de importante na vida. Portanto, tem de se ter cuidado e agir se forma ponderada, sem exagerar aqui ou ali. Essa talvez seja a emissão símbolo que o longa quer nos trazer com magnitude.
Bergman se espelha na ideia da fugacidade do tempo e da vida. Revela, através de seus signos visuais, a constante necessidade de controle do estéril movimento das pessoas pelas ruas, suas falas intermináveis e seu agir mecânico, muitos vezes carente de pausa e reflexão.
Um belíssimo filme, sobre aborrecimentos, ambição, responsabilidade na vida jovem e amor, o mais sublime deles. Não o de Harry e Mônica, desgastado pelo tempo, mas o amor integral, que banha a sociedade da forma que nós imaginamos.