Uma Noite Sobre a Terra (1991)

Dos road movies até os filmes noir, da juventude perdida na estrada deserta até o garanhão e sua mocinha, dos anos 40 até os dias de hoje, o automóvel, os carros luxuosos ou mesmo os taxis sempre serviram como fuga ou dependendo do caso prisão, entre duas ou talvez mais pessoas, um instante de batalha ou paz, confronto direto entre personagens que se comunicam, se descobrem, que interagem em meio a paisagem ou solidão qualquer. Mas uma coisa nunca muda em todos esses encontros (ou confrontos) sempre haverá um choque em maior ou menor quantidade, de costumes, de aparências, de culturas e de pensamentos, para o deleite do espectador, entre passageiro e motorista.

Se há 15 anos atrás um taxi em Nova York conseguiu servir como uma espécie de metáfora, complemento para o caos, a marginalidade e toda aquela perturbação na visão de Scorsese em Taxi Driver (idem, 1976), grande amante do cinema como é Jarmusch, não poderia negar a sua câmera contemplativa um dos maiores achados do cinema para criar embate entre mundos diferentes, culturas e personagens dentro do mundo real, da situação cotidiana do taxi. A partir de cinco histórias diferentes em lugares diferentes, Jarmusch viaja pela noite de Los Angeles, Nova York, Roma, Paris e Helsinki criando uma homenagem ao automóvel no cinema, brincando em cada um desses lugares, os estereótipos, os conceitos e a oposição entre personagens que se torna tão grande que acaba juntando semelhanças entre os dois.

A montagem e ritmo divertido de Uma Noite Sobre a Terra (Night on Earth, 1991) pelas diferentes noites se aproveita para brincar em Los Angeles com os possíveis maiores nomes do filme – Gena Rowlands e Winona Ryder – dentro do mundo do cinema e a ilusão entre passageiro e motorista. Embora, esta primeira parte inaugure bem o filme de Jarmusch, deve-se o maior crédito ao “episódio” passado em Nova York onde Jarmusch encontra uma oposição, agora entre um taxista russo perdido e um negro do Brooklyn, criando um divertido embate entre os dois, que vão se conhecendo e descobrindo maiores semelhanças, ainda que sejam sempre negadas e onde principalmente Jarmusch consegue desenvolver sua antologia cinematográfica sobre os diálogos em um automóvel.

Do que se trata realmente o trabalho de Jarmusch aqui? Além de uma homenagem, trata-se de um exercício de cinema, de gêneros e histórias que se criam e morrem de forma rápida, mas sobrevivem na lente da câmera e da visão de cinema que seu diretor possui em cada um dos lugares. Se em Los Angeles há a desilusão na terra dos sonhos e Nova York há a descoberta e conhecimento de pessoas e estilos completamente diferentes, em Roma - com um irritante Roberto Benigni – se faz a tragicomédia, a falação e a religião envolta sobre a nostalgia da infância e os pecados de um homem, nesta parte é impossível não lembrar de Fellini, principalmente no que refere a Amarcord (idem, 1973). Em Paris existe a parte mais sensorial, o conhecimento dos sentimentos e a ignorância e por fim Helsinki trabalha na tragédia do frio do olhar dos finlandeses.

A conclusão que se tira nesse filme exercício de Jarmusch é a sua admiração plena por essas criações que a arte, no caso o cinema, cria. O taxi, o carro, o automóvel serve nada mais nada menos do que para criar um diálogo quase teatral entre personagens, uma história do cotidiano – este pelo qual Jarmusch é apaixonado – e que nasce e morre dia após dia. Afinal, não se trata de uma história como qualquer outra? As nuances, os achados, os maiores pensamentos vem desses lugares, da mesa do bar, do caminhar na rua, das conversas com o taxista, então nada mais justo criar para esse momento, fonte de histórias, de tragédias, comédias, pensamentos e conhecimentos, seu próprio filme.

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