O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013) é mais do que um filme porra loca, talvez o contexto em que tenha sido inserido tenha favorecido esse status, é um filme sobre mentiras e mentirosos, que larga a mão de outros projetos como A Invenção de Hugo Cabret (Hugo Cabret, 2011) e parte para o seu próprio cinema, ainda eclético e inovador, onde a figura não só corresponde com a do cineasta (o mentiroso), porém também com o seu meio, o seu mundo atual. Seja em 1973, 1990 ou 2013, Martin Scorsese acabou dando passos certos cronometrados que muitas vezes não o conduziram para o seu próprio universo e levou em Wolf of Wall Street a busca de desaprender, desandar, com seu próprio cinema.
A narrativa que acompanha o sonhador da vez – o cinema de Scorsese vem provando desde Taxi Driver (idem, 1976), esse personagem que antes de tudo é um ambicioso e sonhador – mantém bem como os aspectos que já formaram seu cinema uma relação linear onde jamais existe alguma falta ou pulo sobre sua verdadeira alma, relação do cinema, mas em Wall Street, mesmo que voltemos às raízes profundas de seus filmes, Scorsese segue a risca, bota tudo a perder como seu próprio protagonista – um alguém querendo algo -, arriscam na tentação e no poder da sedução, onde em tom irônico (aproveitando do mundo atual que proporciona com mais liberdade ao cineasta, fazendo daquele plano-sequência um vômito, uma cena de sexo ou mesmo delírios, overdoses em slow-motion) o viaja em aventuras e desventuras no escritório (o mundo do nosso protagonista) com sexo, luxúria, drogas, mas nunca está perdido, recupera em si mesmo a alma segura de toda a obra de Scorsese.
(O Lobo de Wall Street)
(Os Bons Companheiros)
Se antes em Os Bons Companheiros (The Goodfellas, 1990) partiam para o humor mais escrachado – onde um Joe Pesci se aborrecia com tudo – temos aqui uma liberdade no humor(negro, pastelão, escrachado, valendo até piadas xenófobas[americano de merda] e pensamentos “poluídos” etc.) que não se restringe a apenas um caso, como o seu protagonista, Scorsese mesmo ao som de alguma possível falha ou censura(o que ocorreu, infelizmente em alguns países) jamais larga o taco, por que não resta nada mais a ele do que arriscar no que gosta, desaprender e aprender consigo mesmo a sua própria persona e seu próprio cinema. Por isso The Wolf revela a sua verdade sobre a mentira do cinema, como um enganador, as palavras de Jordan Belfort(Leonardo Di Caprio em uma atuação perfeita) voam pela cabeça de quem escuta, seus clientes que creem nele, em seu poder, por isso Scorsese exige tanto da atuação de todo o elenco para formar verdadeiros pilantras, canalhas e principalmente mentirosos, capazes de alterarem seu estado de humor em uma variação tão grande quanto o de cada ação na bolsa de valores.
(Taxi Driver)
Encontramos em The Wolf, um Scorsese independente, pronto para seguir arrisca o que realmente deseja, cria então a sua linguagem oficial, por isso não a tempo para ficar medindo palavras em um cinema autoral livre para voar – Se John Cassavetes estivesse vivo, adoraria este filme – Scorsese bota a foder e satiriza todos os seus personagens, joga palavrões e detona qualquer um que estiver em seu caminho (“os preguiçosos trabalham no McDonald’s”, “Eu me masturbo no mínimo duas vezes ao dia”). Não há medidas para serem utilizadas, por isso mesmo depois de tudo em sua carreira, Scorsese demonstra um domínio narrativo e muito atual (atemporal), mesmo que The Wolf of Wall Street não seja exatamente uma crítica ao capitalismo ou qualquer outro aspecto, seu motivo está encrostado na obra como uma sátira de toda essa loucura de cachorros loucos engravatados que puxam o telefone e sufocam o cliente, por isso antes de mais nada é um filme sobre o dom, a arte da mentira e da criação(onde seu criador não é invencível, mas seus feitos são).
Encontra-se aqui a alma de todo filme revolucionário, de espírito independente e autoral – Scorsese criou um sentido ao seu cinema e uma linguagem única que já conseguiu se tornar universal – mesmo jogando a papelada toda nos céus de Wall Street, domina tudo, desde os lances e olhares entre um e outros, não se constrói um drama exatamente de bandidos e policiais, nem algum thriller, mas sim uma reflexão de todo o personagem que Scorsese carrega desde o berço, desde Robert De Niro e que se faz presente e mais ainda, comprova sua atemporalidade agora com um Leonardo Di Caprio, que faz de Jonah Hill um Joe Pesci, que por mais que tenham suas diferenças (entre atores e tramas) são uns dos aspectos, personagens herdeiros dessa consolidação que Wolf comprova vendendo mais do que nunca e excepcionalmente a sua marca ao cinema comercial. Afinal, entre os altos e baixos (traições, fracassos, mortes), sempre poderemos contar com os nossos “goodfellas”.