Se quando disponibilizamos algumas horas de nossas vidas para ver um filme, deve haver algum prazer. Ver Douglas Sirk é um dos maiores prazeres que o cinema pode proporcionar, sem dúvidas. No entanto, é também um incômodo, um dedo na ferida. Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959) é o testemunho do choque de emoções e destinos oportunos. Sirk, balança, movimenta o seu cinema através do olhar sobre nosso cotidiano.
Curiosa, Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959) começa em acasos, Sirk filma a beleza de um acontecimento que refletira para sempre na vida dos envolvidos. Ora, e não é assim que acontecem as coisas mais doces e amargas da vida, naquela hora “h”? É numa dessas que nasce a história entre a sonhadora atriz Lora Meredith (Lana Turner) e humilde Annie Johnson (Juanita Moore). Questão de acaso ou não, parece que Sirk não liga para isso ao certo, o balanço entre o belo e o feio não é aparente, a casa de uma família não pode esboçar, em hipótese alguma, uma crise, por isso o instinto materno, é tão presente aqui.
Daí, a maior carta na manga, não existe choro para todo canto dentro do melodrama de Sirk, não existe emoções esboçadas a todo segundo, potencializando algum sentimento. É comum, de mim, você e qualquer um, ressentir, guardar no canto da boca, no olhar vidrado aquele xingamento, não? Quantas vezes não ficamos com vontade de soltar aquilo que não podemos e por vezes, nem sabemos por que não fazemos. O então desabafo dos personagens de Sirk é também o suspiro do espectador.
Os instintos dessa pobre criatura, o ser humano, no entanto, não obrigam o discurso a se tornar chato e cansativo. Muito pelo contrário, a todo momento estamos falando consigo mesmo. É interessante analisar nossas próprias características tão desconhecidas e tão estranhas. O belo colorido que habita o filme, faz questão então de contrastar com isso, esses turbilhões de sentimento. Não existe razão, para a inveja, a discórdia, o racismo, a ambição, são todos impulsos humanos tão tolos e tão verdadeiros e necessários.
O rosto, grande instrumento do velho alemão Sirk, é o grande portador de todo o turbilhão de sentimentos, esse sim, um inegável espaço onde não há como mentir e ninguém escapa. Lembra de quando você estava com aquela vontade de soltar aquela gargalhada, e seu rosto já se manifestava? Ou então quando temos aquela vontade enorme de gritar feito loucos? Pois bem, é disso mesmo que estou falando. A vida não é uma tragédia, muito menos um mar de rosas, mas sim um jogo entre acasos e casos que simplesmente nem sempre estão sempre a mercê de nosso mundinho.
A simplicidade, contudo, é o que mais impressiona no modo como Douglas conduz Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959). Não é filosofia nem metafísica, é uma mistura dessas duas, na maior fonte de nuances que existe, a vida, um encontro entre duas pessoas, uma conversa, uma brincadeira, um acontecimento. Sirk sabe que o que está representando na tela é algo comum a todos nós, por isso Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959) é também um perfeito filme sensorial desde o desejo mais bobo do ser humano, seu amor, paixão, ódio até o mais verdadeiro.
Douglas Sirk recorre apenas à simplicidade de uma história, de falhas e acertos, uma verdadeira imperfeição. Ele, é daquelas raras pessoas sinceras que não estão dispostas a terminar com um “happy end” ou alguma solução, não, ele prefere mesmo continuar simplesmente, continuar por que, não há melhor meio para se entender a vida senão vivendo.