“C.C. "Bud Baxter" é empregado de uma grande Companhia de Seguros. Na esperança de galgar postos dentro da firma ele empresta seu ...
“C.C. "Bud Baxter" é empregado de uma grande Companhia de Seguros. Na esperança de galgar postos dentro da firma ele empresta seu apartamento para que seus superiores tenham um local para encontro clandestinos. Um dia o chefe do pessoal o chama para conversar e lhe diz que sabe sobre todo o esquema. Ele lhe solicita a chave. Baxter finalmente é promovido. O que ele não sabia é que seu apartamento servirá de local para que seu chefe desfrute de momentos agradáveis com a mulher que ele estava apaixonado. O sonho de Baxter rapidamente se transmuda em pesadelo...”
Já assisti algumas vezes essa obra de Wilder. Sempre a apreciei e a considerava um filme maior. Até achava justo ela ter faturado o prêmio principal da Academia (era o ano de Psicose). Contudo era mais fácil ver os pontos positivos de Psicose e a sua benéfica influência sobre o cinema moderno. Contudo outro dia lendo no jornal algo que seria o calcanhar de Aquiles de “Se meu apartamento falasse” percebi toda a grandiosidade da obra. Falavam que o filme apesar de grande partia de uma premissa frágil; soa inverossímil que o personagem vivido por Fred MacMurray não tivesse possibilidades de ir a algum hotel ou mesmo montasse um local para seus encontros clandestinos. Para mim a resposta é fácil: Sim poderia. Mas ai fala mais alto o olhar arguto e perverso do cineasta sobre a humanidade. A maldade consiste em dizer que mesmo na sociedade capitalista persiste os resquícios primitivos do homem. É sabido que durante a Idade Média quando havia o casamento entre dois servos, o nobre feudal tinha o privilégio da primeira noite. No caso do filme de “Wilder” algo assim acontece. A fragilidade do argumento nada mais é do que uma cortina de fumaça. Ele ficou ali para que o tratado fosse mais mastigável, soasse irreal.
Veja a cena que abre o filme. Lá todos estão uniformizados e acabam por perder a identidade, tornando-se nada mais que uma ruela dentro do grande Leviatã que é a empresa que os abriga. É com prazer que Wilder mostra ao espectador os meandros do local sem jamais cair na caricatura. Ele continua sendo realista e até imparcial, mas é notório que nesse filme ele se alia com os anônimos. A forma como ele mostra os patrões encarcerados em seu egoísmo e na busca de satisfazer suas vaidades sem se importar com os que lhe devem obrigações permanece única dentro do cinema americano.
Impressiona como o filme consegue se transmudar de seu início em tom de sátira, para um drama que se finda como uma tocante comédia sentimental. Nunca Wilder demonstrou tanto carinho e compaixão pelos seus personagens. Lembrou-me muito Lubitsch e sua confessa predileção pelos personagens de “A Loja da esquina”.
A história de um pobre tipo que almeja ser alguém em um mundo que só reconhece os vencedores. De como a idéia de subir vai tornando-o cada vez mais um serviçal. Em almejando o alto ele perde o orgulho que lhe restava e a humanidade. Baxter passa pouco a pouco a se inserir em uma sociedade onde o homem vive para servir seus bens e objetos ao invés de ser servido por eles. Quando ele se dá conta que para ter galgado algumas posições na escala da empresa ele de certa forma vendeu sua alma, ele desperta. Wilder escancara para todos um modo de vida tipicamente feudal. Os vassalos e os senhores podem ter mudado de nome, mas estavam presentes ainda naquela época. O final do filme ainda que soe melancólico é apoteótico. Afinal Baxter não resgata somente sua dignidade. Ele se desnuda e acaba por encontrar alguém que entendeu o que lhe ia n’alma. É notório que o filme tocou firme na questão da fachada. Ninguém se revela como realmente é em “Se meu apartamento falasse”. É um filme de desencontros onde o real só é percebido no fim. Baxter é o herói dos tempos coevos. Um homem que permanece integro ao preferir pertencer a si próprio. E que encontrou alguém que lhe compreendeu. Será que todos teremos a capacidade de ter o olhar de Fran?