Certa feita disse que acreditava que o último decênio de produção da carreira de Ozu tinha sido o mais brilhante. Daí alguns me indagam por qual motivo me debruço sobre seus filmes mais antigos. Primeiramente para os conhecer. O segundo motivo é que espero estar enganado e achar uma preciosidade. O terceiro motivo é mais óbvio, verificar como um cineasta progrediu e se engrandeceu na sua apreensão particular do mundo.
Aqui o filme tem início com uma sequência onde vemos muito da influência que Chaplin e outros cineastas ocidentais tiveram na formação de Ozu. Num liceu, jovens estão na aula de ginástica. Somos apresentados ao protagonista (Okajima), o professor de ginástica e os demais alunos e as ligações existentes entre esse pequeno grupo de alunos. Okajima tem o visual mais próximo de Haroldo (criação de Harold Lloyd), mas o andar assemelha-se ao de Carlitos.
O tema de todos os filmes de Ozu já se faz sentir aqui. O declínio da família japonesa e da própria identidade nacional com o passar dos anos. Ele o faz de uma forma bem sutil. Sem necessariamente denunciar, nem desprezar o progresso e a modernização do país, tampouco a presença sempre mais marcante da cultura Ocidental (Americana).
Os seus filmes são marcados por uma suave nostalgia de um tempo passado, sem que necessariamente ele lamente o tempo que se foi. Apenas pontua sua existência. Graças a isso é fácil identificar aquela família, com várias outras, existentes em várias plagas de nosso planeta. Seus filmes tem um caráter universal. Ele se distancia do Ocidente para se fixar em sua Tóquio, a mostrando como a Capital mundial do desemprego. Mostra a realidade, mas não faz apologia a miséria. Sem circunlóquios e com um realismo próprio nos desvenda o efeito das mudanças sócio econômicas do Japão na década de 30. Até os mais capacitados estavam sujeitos ao desemprego.
A sequência mais brilhante de todo o filme, no entanto, deu-se antes do desemprego. Vemos o nosso herói numa seguradora no dia de recebimento (pagamento). Todos entram numa fila para receber do chefe o seu quinhão, disposto dentro de um envelope. Ninguém no entanto abre o envelope e mostra o conteúdo, diante dos outros. Todos buscam o sanitário, para terem contato com o valor. Cada qual em segredo, como se todos não estivessem sujeitos a mesma situação. As gags visuais são geniais e a mistura com o drama se faz de maneira consistente. Aqui Ozu se iguala ao que de melhor Chaplin fazia. Pena que esse equilíbrio não se mantenha durante toda a película. O que não quer dizer, que o que vemos é descartável. Ao contrário, é a demanda de um cineasta em busca de um estilo próprio. Ele o acharia em breve e iria aperfeiçoá-lo nos filmes que se seguem. Ele aqui ainda está distanciado das preocupações futuras que selaram seu estilo. Preocupações digamos mais singelas, que, no entanto, ele dotava de uma visão que o tornava especial. Não raro o chamam de conformado. Sim, mas entenda-se conformado, e não conformista. Conformado é aquele que aceita o que não pode ser mudado: morte, velhice, etc; ao contrário do conformista que não luta pela mudança justa, pois a situação atual o favorece.
Aqui nessa obra Ozu fala da dificuldade de sustentar uma família, de encontrar trabalho e de ter de se sujeitar, se apequenar para sobreviver. E também nos fala sobre as reais necessidades que possuímos. Para cuidar de sua filha doente, ele se desfaz de alguns dos símbolos do status anterior da família. E após o susto a família se une numa brincadeira que simboliza o que é realmente valioso: União e Solidariedade.
Contudo o que mais em encantou no filme é a surpreendente capacidade de que já era dotado para extrair de seus interpretes o melhor. As crianças contribuem de maneira decisiva a qualidade do que veremos na tela no tocante ao burlesco, deixando para nós que o assistimos hoje, um traço marcante de uma visão inocente da vida em contraste com a visão cínica dos dias atuais. Um entretenimento com grandes momentos. A se ver com certeza.
Escrito por Conde Fouá Anderaos