É necessário confessar primeiramente que nunca me entusiasmei com os filmes de François Truffaut. No entanto tenho de me quedar à realidade. Esse seu filme de estreia é joia rara. Ele debuta atrás das câmeras de maneira realmente vigorosa; o filme nos marca pela sua qualidade de tom e pela sua mise en scène que se vale de todo o legado trazido pela nouvelle vague. Logicamente que nessa minha falta de entusiasmo não podia deixar de ver várias qualidades em obras que vi anteriormente. A questão é que não me empolgava sua visão da existência, seu distanciamento (ou pelo menos a forma que ele se valia dessa escolha). Os filmes que vira antes foram: "A mulher do lado", "O Último metrô", "O Garoto Selvagem", "A noite americana" e "Fahrenheit 451". Fora o último nenhum me deixou saudades.
Não é preciso dizer que nunca me nunca me esforcei por conhecer as suas outras obras. Algo que "Os Incompreendidos" definitivamente mudou. Devo assistir suas primeiras películas. Também (quem teve a paciência de ler minha crítica a “A Canção da Estrada”) não podia compreender como ele ousara atacar a obra de Satyajit Ray de forma preconceituosa. A própria obra “Os Incompreendidos” demonstra que ele errou feio. Também não trata ela de temas idênticos ao do indiano? Há mais semelhanças que diferenças na infância de qualquer ser humano, não importa aonde ele nasça ou viva. A Nouvelle Vague ou o lírico neo-realismo de Ray são apenas instrumentos. E fazer uso de certos fundamentos de uma escola não é receita eficaz que crie necessariamente um grande filme. Há sempre que ter um talento maior atrás das câmeras.
Agora existe nesse “Os Incompreendidos” uma beleza que remete a obra mesmo e que nos comove até hoje. E a utilização dos ingredientes da Nouvelle Vague serve de reforço para a construção da obra: Cenários naturais, situações e personagens do próprio quotidiano, linguagem das ruas, tomadas exteriores inusitadas que ao mesmo tempo nos soam naturais, mise en scène descomplicada. Uma fotografia serena e bela, música que casa perfeitamente com a narrativa e uma montagem inteligente. Alie-se isso a presença de temas universais e perenes: Infância, puberdade, liberdade, lirismo, emoção... O retrato de toda uma geração pós Guerra e a persistência sempre do novo que irá substituir o velho. Hoje vemos as semelhanças que já tivemos com eles(a Geração passada). Futuramente a nova geração enxergará a similitude com a nossa. Um filme quase documental sobre um adolescente da década de cinquenta? Sim, e que carrega elementos que encontrará eco em qualquer um que viveu aquela época.
Talvez a palavra que eu procure é comoção. Não aquela que surge de maneira forçada. Aqui ela nos vem racionalmente. Sentimos empatia com o garoto, sem odiarmos os que o hostilizam. O professor, o padrasto, a mãe ausente (que ainda busca o par ideal), os pais do amigo, são vítimas de um sistema assim como Antoine Doisnel. Seres que matam o tempo que lhes resta, que não vêem na existência um motivo de ser. Vivem o mundo finitamente. Tudo soa efêmero e o próprio Doisnel mostra-se não um revoltado, ele também não pode se revoltar já que tudo lhe é estranho. Nenhum dos que surgem a tela possuem certeza sobre o que fazem. O que me comove nessa obra é a tentativa desesperada de cada ser justificar sua existência.
O elenco todo é preciso. Agora o destaque é Jean-Pierre Léaud. Sempre preciso em cada enquadramento. Truffaut foi agraciado com sua presença. E nós também.