O Dia da Besta (1995)

O segundo trabalho de Álex de la Iglesia na direção, “O Dia da Besta”, tinha de tudo para arruinar a sua carreira, que começara há pouco tempo. Com um dos roteiros mais inusitados do cinema espanhol, Iglesia conduz um filme que funciona muito bem como uma comédia recheada com o seu típico humor negro, ao mesmo tempo em que satisfaz o gênero terror, com takes aterradores, que quebram o clima cômico, da produção. Levando em conta que a sua estréia não havia agradado boa parte da crítica, o diretor consegue se reerguer, e demonstrar sua singularidade incontestável, que proporcionaria uma legião de fãs, com o passar dos anos. O que poderia ser encarado apenas como um filme polêmico acaba se transformando num dos melhores, se não o melhor, projeto do diretor espanhol. A premissa se baseia na vida de um padre que descobre o verdadeiro segredo sobre o livro do Apocalipse, e, com isso, parte para uma jornada, a fim de salvar a humanidade contra as forças do Anticristo, que nasceria no próximo dia 25 de dezembro. Os primeiros minutos de um filme são primordiais para atrair, ou não, a atenção do espectador. "O Dia da Besta", sem dúvida alguma, tem uma das melhores introduções já vistas, servindo de prelúdio para a atmosfera escrachada, gerada pelos toques precisos e insanos, do diretor. A heresia exacerbada é o grande aspecto cômico do filme, e somente um realizador competente conseguiria abusar dessa dosagem, sem criar um clima monótono e ofensivo. Sobre essa questão de ofender o espectador, creio que deve ser encarada de forma subjetiva, entretanto, desde o início, Iglesia adota uma postura zombeteira, ou seja, levar a sério e se ofender com "O Dia da Besta", evidencia que a verdadeira essência não foi captada. Mesmo seguindo esse tom que remete aos filmes trash, a produção esbanja uma qualidade técnica extremamente apurada. O roteiro, que, à primeira vista não demonstrava muita qualidade, é um dos grandes protagonistas, por trás das câmeras. Com personagens excêntricos, passando por padres pecadores, um fã de death metal, uma inocente virgem, e até mesmo um apresentador charlatão que lida com casos demoníacos, "O Dia da Besta" caminha até o extremo do bizarro, mas nunca perdendo o humor ácido e peculiar, de Álex de la Iglesia. Quando o filme muda de perspectiva, adotando o terror como ponto principal, notamos que os efeitos especiais ganham destaque total. Em certos takes, toda àquela atmosfera descompromissada, anteriormente retratada, acaba se perdendo no ar, dando espaço para um clima macabro, principalmente nos minutos que antecedem o término do filme. O diretor capricha nessa alternância estilística, sem atrapalhar o ritmo da obra. Do começo ao fim, a diversão está presente, entretanto, no decorrer, reparamos que ela é gerada, a partir de aspectos diferentes.

Os diálogos, por vezes carregados de ironia, denunciam algumas posturas erradas dos personagens, que até podem ser vistos de forma alegórica. Juntamente com isso, vemos certa rebelião social, denominada "Limpa Madrid", ocorrendo paralelamente ao tema principal, voltada para assassinatos de moradores de rua. Neste momento, notamos que existe certa crítica implícita, num filme em que, se fôssemos julgar apenas pela capa, dificilmente imaginaríamos tal feito. Existem milhares de formas de surpreender quem assiste, e em "O Dia da Besta", Iglesia utiliza boa parte delas. Quem não tem ousadia, acaba ficando submisso ao convencional. Álex de la Iglesia abre as portas para a sua fértil imaginação, dirigindo um filme ímpar, repleto de um humor inteligente, e de personagens marcantes. Após a sua estréia tão criticada, o espanhol vira o jogo, e encanta o espectador com a sua capacidade de entreter, e tratar, com seriedade, certas questões sociais, ao mesmo tempo. Elogios para quem tenta. Palmas para quem acerta.

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