Semi-discípulo de Pasolini, com que começou sua carreira trabalhando como assistente de direção, Bertolucci é um legítimo cineasta filho dos anos 60, radicado em uma época onde o cinema, sobretudo o europeu (e alguns raríssimos diretores americanos diretamente influenciados pelo estilo europeu de se fazer cinema), começava a questionar os padrões impostos pela indústria norte-americana pós-advento do som de linearidade e lógica narrativa. Um cinema que era feito sempre como um retrato da realidade, ou pelo menos o mais próximo possível disso, especialmente se tratando de espaço-tempo. Já em A Estratégia da Aranha, Bertolucci alcança o ápice da subversão de tais conceitos, em um filme que exige uma dedicação enorme do espectador para que esse compreenda suas firulas e floreios, mas que no final, se mostra extremamente recompensador, uma legítima obra-prima. Se David Lynch pôde fazer Cidade dos Sonhos e, acima de tudo, Império dos Sonhos, isso certamente se deve aos valores desconstruídos por Bertolucci aqui. Uma teoria que eu tenho diz que todo ser humano deveria ser obrigado a assistir A Estratégia da Aranha antes de desenvolver um senso crítico ou uma paixão pelo cinema, pois tal filme poderia ajudar bastante na compreensão dos valores que caracterizam uma obra cinematográfica. No enredo, que supostamente seria adaptado da obra do argentino Jorge Luis Borges, mas que mostra fortes influências dos trabalhos do artista plástico Giorgio de Chirico e do compositor Giuseppe Verdi, temos a história de Athos Magnani, que viaja até o pequeno vilarejo de Tara (referência direta à E o Vento Levou, aqui) para investigar as condições em que ocorrereu a morte de seu pai de mesmo nome, evento esse anterior ao seu nascimento, após ser chamado pela antiga amante de seu pai, Draifa, por quem ele logo se apaixona. Ao se apaixonar, sua vida, personalidade e figura começam a se fundir com a de seu pai, chegando a um ponto que se torna realmente difícil de discernir qual é qual. Narrativa, espaço, tempo, ação. Tudo isso é reduzido a escombros sob a lógica doentia de Bertolucci, que insiste em deixar o espectador cada vez mais e mais perdido, até que quando nada mais parece fazer o menor sentido, as coisas voltam ao normal e tudo fica esclarecido. Mentira, nem tudo fica esclarecido, mas afinal, esse é o charme do filme. A Estratégia da Aranha é, sem dúvidas, a obra definitiva em matéria de questionamento de valores cinematográficos, coisa que Resnais, Antonioni e Lynch passaram boa parte de suas carreiras fazendo. Bertolucci ainda encontra espaço para a construção de uma série de ideais políticos que combinam com o cinema que ele vinha construindo desde Antes da Revolução e que chegaria ao seu ápice em 1900. Ele faz do público um boneco nesse filme, boneco que ele manipula, controla, e movimenta para onde sua vontade quiser, com fortes toques de perversão e sadismo, que guarda ainda como a cereja do bolo um questionamento sobre a figura que a população em geral tem dos assim chamados "heróis". Influenciado pela nouvelle vague de uma maneira evidente, termino essa resenha, se é que podemos chamar tal atrocidade literária de resenha, definindo Bertolucci segundo as palavras da crítica norte-americana Pauline Kael que dizia que "De todos os diretores influenciados por Godard, Bertolucci foi o único a expandir sua visão, ao invés de simplesmente copiá-la."
A Estratégia da Aranha (1970)
Jorge
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