Retrato de uma geração, que em nada se assemelha com a de George Lucas em Loucuras de Verão ou com a de Danny Boyle em Trainspotting. Nessa geração, os jovens tem seus 40 anos, mas só agora gozam de sua adolescência, visto que a verdadeira foi destruída junto com Roma durante a Segunda Guerra Mundial. Primeio Roma é reconstruída, depois, a vida daqueles cuja adolescência fora perdida é reconstruída. E é disso que que A Doce Vida se trata. Adolescentes de 40 anos, cujo status social e respeito nas rodas intelectuais passam uma falsa maturidade, que não condiz com aquilo que vemos em suas vidas sociais, permeadas do típico vazio que costumamos atribuir à juventude, caracterizando-a com um ar de desprezo. E Marcello (Mastroianni?) é o símbolo disso. Com seus óculos escuros e terno impecável, tornou-se o símbolo cool de uma geração, não aquela da qual ele faz parte, mas uma nova, que vinha por aí, influenciada pelo período de enorme influência do cinema, hoje clássico, na cultura pop. Se nos anos difíceis Marcello era um escritor renomado e respeitado, agora com a situação amena, ele não passa de um mero colunista social de um jornal de nível duvidoso, sendo seu trabalho basicamente se encontrar com as ditas celebridades e fofocar sobre elas. Quase sempre acompanhado de seu amigo e fotógrafo Paparazzo. Na realidade, Marcello nada mais é que um adolescente, que vaga pelas noites em busca de um pouco de bebida e diversão, que despreza uma mulher para logo em seguida se apaixonar por ela, inconsequente, impulsivo e acima de tudo, imaturo. O símbolo perfeito de uma camada social, que poderíamos talvez caracterizar como sendo a "pseudo-intelectualidade de Roma". Uma camada que necessita de brilho e destaque para sobreviver e dar sequência ao seu vazio. Um nicho de parasitas, onde Marcello ocupa o cargo de parasita-mor, sugando a vida daqueles que o rodeiam para se alimentar e sobreviver. Como se apenas os parasitas não fossem o suficiente, temos ainda as moscas, seres repugnantes, assimilados sempre a ambientes pútridos. Aqui, as moscas são os tais fotógrafos, simbolizados em sua totalidade pela figura de Paparazzo. Eles são criaturas desprovidas de moral e de vida própria, onde o único sentido de sua existência é orbitar os ditos "famosos" em busca de uma fotografia absolutamente fútil. Impossível não assimilar de imediato a cena em que dezenas de fotógrafos se acotovelam em busca da melhor imagem da atriz que acabara de descer do avião com a imagem de um monte de moscas rodeando um punhado de merda de cachorro que apodrece ao sol. Sua abertura, com um helicóptero pairando sobre, primeiro Roma antiga, depois Roma moderna, carregando uma estátua de Cristo de braços abertos que é levada ao Vaticano, seguido de um segundo helicóptero, carregando Marcello acabou sendo interpretada (errôneamente) pela igreja como sendo o anúncio da segunda vinda de Cristo, sendo esse o próprio Marcello. Na realidade, o que Fellini propõe aqui é uma ligação entre a moral religiosa, extremamente forte na Itália, com a imoralidade dos nossos (anti) heróis, figuras vaidosas, luxuriosas e, acima de tudo, fúteis. Embora futilidade não seja um "pecado capital" (embora deveria ser), logo se assimila tais pecados com a estrutura do filme, dividida em sete partes, com prólogo, intervalo e epílogo, que relatam a convivência de Marcello com as mais diversas pessoas e situações. Listá-los aqui seria inútil, basta dizer que eles se ligam não somente aos sete pecados, mas também às sete virtudes, os sete sacramentos, os sete dias de criação... Sete dias que é exatamente o período pelo qual o filme se desenrola. Se Lucas conseguiu captar a nostalgia e diversão de uma geração e inseri-la em seu filme e Boyle conseguiu captar a pós-psicodelia de uma geração e inseri-la em seu filme de uma forma lisérgica, Fellini consegue captar também o vazio de uma geração e inseri-lo em seu filme, porém, tal resultado acaba não sendo tão agradável quanto o dos dois primeiros casos, e logo A Doce Vida se torna nada mais que um exercício de inocuidade, onde suas três horas de duração passam como se fosse cinco. Ou seis.
A Doce Vida (1960)
Jorge
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