Django Livre (2012)


Um dos maiores problemas de Tarantino quando se propõe a recriar a história é que os personagens que ele coloca no cenário parecem ter pacto com H.G. Wells: Saem de uma máquina do tempo e se postam em um cenário já passado. Tarantino não se importa em se valer de uma linguagem atual, de personagens coevos, para viver em uma época passada. Em Bastardos Inglórios tal já se sentia. Em Django Livre um boticão, alemão, solitário, educado, irônico, anti-escravocrata e caçador de recompensar surge (não sei, mas algo tal ter existido é mais improvável que acertar sozinho a Mega da Virada com um palpite simples). Mas façamos como em Bastardos e aceitemos essa probabilidade (por mais mínima que ela seja). E esqueçamos-nos do legado Fordiano (talvez um dos motivos de seu ataque a Ford?).

A linguagem é outro problema na obra. Mas exigir que se fale como se falava no século XIX também seria inviável. Trata-se de se recriar uma similaridade com a realidade, não a recriar como tal. É ficção, não realidade. Verossimilhança é importante, no entanto. Tarantino abusa de uma linguagem chula não existente na época.

Às vezes tenho a impressão que seu público está tão anestesiado, que se Tarantino subir num palco e ao invés de discursar, arrotar será ovacionado. Impressão só... Espero que ele não faça isso. Temo estar certo.

Não aprecio também a exagerada violência expressa na obra. Acaba por banalizar completamente e tornar aceitável algo que deve ser encarado como inaceitável. Não critico a violência em si, mas a visão dessa dada pelo seu diretor.

Por outro lado credito a ele, apesar dos exageros, bons diálogos e algumas passagens interessantes. Sobretudo aquela (Gérmen da KKK) do Grupo de escravocratas que saem no encalço dos protagonistas.

Django Livre apesar do desenrolar de meu escrito até aqui, me surpreendeu positivamente. E talvez no fundo tenha até desgostado (talvez explique o truncar da narrativa na segunda parte, certo incômodo da direção?) seu diretor. Ele não conseguiu manipular a história, nem a realidade. Acabou fisgado por ela. E se foi pensado ou não, temos de dar o mérito a obra (e a ele). O final está entre as melhores coisas já realizadas por Tarantino. O fato de Django se travestir, se tornar o próprio Calvin Candie é real. Era o sonho imposto aos escravos. Imposto e que por final acabava o escravo incorporando. Ser livre significaria ser idêntico ao Senhor. Era ser Senhor. Estar por cima da carne seca. Tarantino aqui não subverte a história. Ele a endossa. É a conclusão a que chegara Machado de Assis (mulato, o maior escritor em prosa da língua Portuguesa) em Memórias Póstumas de Brás Cubas – Nesse romance seu protagonista encontra Prudêncio seu antigo escravo de infância alforriado. Prudêncio possui um escravo e o chibata na presença pública. Compreendera que para ser livre era necessário ter escravos.

E também é em Django Livre que novamente nos deparamos com um dos maiores personagens criado pelo cinema no tocante a escravidão: Stephen. É de Samuel L. Jackson a maior e melhor interpretação do filme: Stephen. Stephen não seria só um escravo. Tornara-se como que um agregado escravizado. A imagem negra de seus donos brancos. Quando Django o mata, ele não está se matando apenas mais um. Não podem existir dois Stephen. Django tornara-se o próprio Stephen em o superando.

Django Livre permanecerá como um dos melhores filmes de seu diretor. Ainda que eu ache que ele em breve não o considerará como tal. Ele não gosta de ser manipulado pela verdade.


Escrito por Conde Fouá Anderaos
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