Duelo Silencioso (1949)

“1944. Guerra do Pacífico. Um jovem cirurgião, Fujisaki Kyoji (Toshiro Mifune) opera em situação precária um soldado ferido (Nadaka), que contraíra a sífilis, e fere seu dedo e se deixa contaminar. Sabendo-se necessário na frente de batalha, ele ali permanece, sem ter a possibilidade de se cuidar. Reformado e de retorno a vida civil, ele se cala perante os seus, escondendo sua doença, preferindo sofrer e lutar contra o vírus em silêncio. Decide terminar o noivado, que já perdurava 6 anos, e se dedica a cuidar dos miseráveis na clínica familiar ao lado de seu pai. Nem a noiva, nem seu pai, ninguém compreende sua escolha. É o início de uma batalha silenciosa dentro de seu ser…”

Obra menor de Kurosawa. Menor? Kurosawa e menor parece ser dois vocábulos antagônicos entre si. Eis aqui a prova de tal afirmação. Lançado em 1949, o filme toca no conflito perdido, mas traz a tona um outro maior. A batalha individual de cada ser, para não deixar que a Guerra predomine sobre a criatura. Uma batalha silenciosa guardada dentro do imo de cada um. Se temos aqui um doutor que no cumprimento de sua missão, contrai uma doença quase incurável, temos outras doenças maiores a contaminar todo o resto. Uma ex-dançarina grávida e solteira que desejava somente se livrar do feto que carregava e que vê seu pedido negado pelo médico. Médico esse que desde as trincheiras, sempre lutara pela vida, mesmo que tal custasse a sua própria. Essa mulher então passa então a odiar e a alcunhar o doutor de hipócrita. Ela tem motivos para isso, pois o doutor guarda para si o terrível segredo. Não conta nem para seu pai, tampouco para a noiva que o aguarda. Noiva essa que o ama, mas que ele não quer que faça o sacrifício de aguardar o fim do tratamento (que pode chegar a 10 anos, sem a certeza da cura). Um filme de renúncia e sacrifício, magistralmente conduzido por Kurosawa.  Total domínio da mise en scène. Uso da elipse, de travellings, de enquadramentos soberbos, etc. Interpretações comedidas atingindo o sublime: Mifune arrasa como o médico açoitado pelo destino que permanece “Humano” e exemplar, num duelo permanente entre sua consciência e o desejo que o avassala.  E seu exemplo transcende seu ser e toca uma até então empedernida e desleixada mulher, fazendo despertar suas potencialidades. O personagem de Minegischi (magistralmente vivido por Noriko Senguko) é tão cheio de nuances e profundo que nos cala fundo. É a mudança de postura dela frente a existência, aliado a luta incessante do personagem principal que faz com que ao final da projeção a esperança subsista. Filme que antecipa em pelo menos um ano a confecção de sua primeira obra-prima. Cria ser Rashomon. Será que ao garimpar suas obras anteriores, terei de me retratar novamente? Espero que sim.

Escrito por Conde Fouá Anderaos
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