É ótimo quando um filme supera as suas baixas expectativas. É doce (com o perdão do trocadilho), quando aquele filme que a gente não da nada, até que agrada. Claro, não é perfeito como o protagonista de seu filme, Adam Jones (Bradley Cooper sem Jennifer Lawrence, aqui) o gostaria que fosse. Longe disso. Tem algumas manias básicas e tolas que a televisão herdou para cá: há toda aquela suposta tensão chata, personagens que estão ali para serem humilhados mesmo (ainda não entendi o que Omar Sy está fazendo aqui). Mas enfim, lembra minimamente Whiplash, é verdade. Mas o que da forma à “Pegando Fogo” é a TV, e não o cinema, diferentemente do que buscava o filme de Chazelle. As referências são outras, mas válidas. Da para ganhar nisso ainda: belos pratos, glamourização da comida quase como uma forma de arte a parte.
Aqui temos a prova de que Masterchef, Hell’s Kitchen e outros programas culinários dessa estirpe possuem um próprio roteiro quase cinematográfico – com direito a drama e comédia. Há momentos interessantes, como quando se discute, no Burguer King (vale ressaltar o local onde é discutido), o que diferencia o fast-food da alta gastronomia que eles produzem. São pequenos momentos, mas interessantes, dignos de nota. Pode ser decepcionante, por outro lado, porque vemos um filme preso a esse comportamento de caráter televisivo: Adam Jones, o chef do filme, é tão competitivo e egocêntrico que, como a maioria dos participantes desses reality shows culinários, está sempre seguro do que fazer e quando agir. Nesse momento, a TV copia o cinema e não o contrário. A figura do gênio (viciado e faz tudo) veio antes para a telona, para depois ir para a telinha. É triste que ao final tentem humanizar tanto o ogro/gênio que é o protagonista, afinal, o que há mais divertido nos “gênios” se não a exaltação dessa inteligência por meio da irreverencia? Como alguém tão narcisista e convicto de si pode se tornar agradável (em menos de 2 horas)? Pegando Fogo é o filme dos egos e orgulhos, um maior que o outro, mas no saldo final, nega ser quem é.
Talvez, essas jornadas pela perfeição sejam no fundo isso mesmo: orgulho e ego. Só que em Pegando Fogo todos sabem que Adam é um gênio, mas assim como o Mozart de Milos Forman, é também, e principalmente, corruptível. Por isso a admiração e respeito de Salieri por Mozart é coberta de falso desdém. Adam também tem um inimigo e que de certa forma é um Salieri da gastronomia, guardada as devidas proporções. Quando o foco é a comida e não somente o ato de faze-la, o filme cresce. Acontece com Whiplash também, quando o foco é a música, a bateria e Buddy Rich. Idem para o caso de Amadeus quando o som é o alvo, o filme engrandece (e como faz isso sempre é, também, uma obra-prima). Talvez o filme de Forman tenha uma vantagem, só a música interessa porque vemos o filme todo pela visão de Salieri e aos olhos desse narrador não há nada mais para invejar se não o talento e a genialidade (vale lembrar que Salieri tinha uma posição política e financeira muito melhor). Adam não, só tem ele mesmo para invejar, por isso sua atitude obsessiva é apenas mimada mesmo. Resta aos outros, portanto, interlocutores e espectadores de sua genialidade, apenas humanizarem o ogro/gênio. Em outras palavras: esse filme é aquela comida que a gente vai com receio, come e acaba gostando, mas depois de um tempo nem lembra que comeu.