Marcelino, Pão e Vinho (1955)

“Na Espanha após a queda de Napoleão com a permissão do prefeito e a ajuda da população um mosteiro é erguido sob antigas ruínas. Diante dele algum tempo depois os monges descobrem um bebê abandonado e após tentar conseguir uma família para ele sem sucesso, optam por criá-lo. A criança cresce naquele ambiente religioso e com o intuito de superar a solidão em que vive, inventa um amigo imaginário de nome Manuel. Nesse mundo cheio de “nãos” ele vai crescendo. Apesar de isolado no mosteiro, tem no novo prefeito um inimigo declarado. Um dia ele quebra as regras e sobe até o sótão onde se depara com a velha imagem de madeira de um cristo crucificado que o faz fugir em disparada. Ele, no entanto, retorna ao local e cria um laço de amizade com a imagem, levando para ela parte das mirradas provisões do mosteiro (pão e vinho). Quando os monges descobrem que Marcelino subtrai alimentos, passam a vigiá-lo e se deparam com o Cristo tendo nos braços o menino que dorme para sempre. Assustados com o inusitado da cena e com a intensa luz que se desprende entendem que um milagre ocorreu.”

Esse foi um filme que não assisti na tela grande. Tampouco o vi durante minha infância ou juventude. Lembro-me, no entanto, vagamente de ter assistido seu thriller no cinema e por achar que esse contava tudo, não me despertou o interesse de vê-lo. Assisti-o agora, faz poucos meses em DVD. O que me motiva a comentar foi a crítica de Juliano Mion (http://www.cineplayers.com/critica/marcelino-pao-e-vinho/1578). Tentarei dentro do possível, não ser repetitivo. Ele levantou certos aspectos que merecem ser melhor analisados.

Em primeiro lugar, o mundo dantes era dominado pela Igreja e não era raro que nos feriados católicos filmes como esse fossem exibidos e a população acorresse aos cinemas com suas famílias para assisti-lo. Em que se pese essa característica, ao qual eu pude testemunhar a sua pujança ainda na década de setenta, tal obra apresenta qualidades que extrapolam o orbe católico.

Nós do Ocidente somos herdeiros da influência cristã. Eu próprio apesar de não professar nem a fé católica ou a protestante sou cristão. Acho que a obra de Ladislao Vadja ultrapassa as amarras carolas da visão que o governo Franquista e a Igreja queria impor ao povo.

Afinal ainda que a história passe em tempos antigos os frades existentes ali presentes não são reais. O recurso de se situar a história no passado, foi a forma encontrada para poder se filmar a crítica contra um governo local tirânico e intolerante (o novo prefeito do vilarejo) que se opõe contra os frades aceitos na comunidade pelo seu antecessor.

Mesmo o cotidiano de um Mosteiro com as suas regras que acabam por asfixiar a humanidade de seus moradores, são quebradas pela presença do menino, que serve para tornar os religiosos seres inseridos no mundo e não distante dele. Marcelino serve assim como um ser que requisita atenção real e viva. É um ser que não permite que oblações e meditações sejam levadas ao extremo, impossibilitando que aquela comunidade religiosa seja algo inútil. O filme não deixa de ser uma ode ao primitivismo do Cristianismo antes que fosse contaminado pelo cerimonial pagão do Estado Romano.

O esquemático apontado com acerto por Mion é um dos acertos do filme. Esse esquemático cria a empatia necessária com o público alvo de então. Todos conhecemos história de crianças abandonadas (Moisés por exemplo) e a mitologia cristã nela se arvora (os 12 frades remetem aos 12 apóstolos).

Não sou dos que acham que o filme tem uma duração que soa extensa. A idéia de se guardar o ápice para seu fim é feliz. Afinal serve como catarse. O filme todo foi criado em torno dessa idéia de que é possível essa ligação com o espiritual. E que esse espiritual possa vir a vencer a visão imediata e materialista da vida (Não digo que não me surgiu a idéia de uma outra leitura: não houve milagre ali, Marcelino foi imolado pelos frades com o intuito de se arrumar um pretexto para a permanência do Mosteiro).

Outra crítica muito comum a esse filme é sobre o som que quase não abre espaço para ruídos e efeitos sonoros, privilegiando as vozes e uma trilha sonora genérica onipresente. Creio que tal escolha foi acertada, já que o que se visava era a introspecção.

Se as plateias de hoje não encontram encanto em obras como essa, talvez estejamos na hora de repensar o caminho trilhado. São inegáveis as qualidades dessa obra e o fato de não as compreendermos e não as inserirmos dentro do contexto em que foram realizadas, demonstra o empobrecimento cultural a que estamos sujeitos.

É isso.

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