Na pequena cidade de Stepford as mulheres são inteiramente submissas a seus preguiçosos maridos: elas que cuidam de todas as tarefas domésticas e fazem prova de uma falta flagrante de atividade cerebral, enquanto os homens tomam todas as decisões. Joana e sua amiga Bobbie estranham esse estado de coisas e começam uma investigação para entender o que motiva esse estranho comportamento. O que elas não sabem é que não estão a salvo da loucura que ali reina.
Em 2007 Ira Levin faleceu. Antes legou com seus romances bons argumentos para o cinema. Para quem não sabe três de suas obras geraram filmes na década de 70: O Bebê de Rosemary(1970), As Esposas de Stepford (1975) e Os Meninos do Brasil (1978).
O filme de 1975 é um suspense sobrenatural que se arvora numa sátira social que critica a célula patriarcal americana e faz uma reflexão incisiva sobre os movimentos feministas no início dos anos 70. E também reflete na tela um questionamento endereçado aos homens: Querem eles ao seu lado apenas mulheres que saibam cuidar do lar, polidas como as propagandas veiculavam e ao mesmo tempo submissas e sedutoras, ou desejam algo mais que imagens e produtos? Na versão de 2004 é justamente o questionamento que Joana (Nicole Kidman) fará a seu marido: Você deseja um robô?
William Goldman (“Butch Cassidy”, “Maratona da Morte”, “Todos os Homens do Presidente”) optou por adaptar a obra de Levin dando-lhe um aspecto sombrio que se tornou mais gélido ainda devido a direção distanciada e comedida do britânico Bryan Forbes (com quem escreveu o roteiro de “Chaplin”).
A versão de 2004 se vale da mesma premissa, só que seu roteirista Paul Rudnick vai se valer da sátira e leva a idéia de Levin para um tom fabulesco. O resultado, no entanto, não vai se diferir muito do outro, mas a direção de Frank Oz não é das mais inspiradas. A ideia que desfecha o filme pode parecer algo original, mas em realidade a obra de Levin já produzira outras: Em 1980 foi realizado um telefilme chamado “A Vingança das Esposas de Stepford” onde ao invés de autômatas, elas tinham sofrido uma lavagem cerebral; em 1987 outro telefilme de nome “As Crianças de Stepford” onde as crianças e homens são substituídos por robôs; e ainda em 1996 é produzido “Os Maridos de Stepford” outro telefilme onde os homens viram maridos perfeitos. Não creditem isso a falta de originalidade, já que todas essas produções (inclusive o filme de 1975) tiveram um mesmo produtor: Edgard J. Scherick.
O que vejo em ambos os filmes é justamente um antagonismo entre os diretores e os roteiristas. Na versão de 1975 Goldman desejava que as mulheres estivessem trajadas de maneira mais sensual e deu espaços para que a violência se fizesse presente de maneira mais presente em seu desfecho. Forbes, no entanto, optou por abrandar isso e insinuou o que podia ter ocorrido, não afastando totalmente o tom sombrio do argumento. Já na versão mais recentes Oz cria um desfecho pós-término de filmagem, sem se preocupar com a verossimilhança. Ainda que tal (a ideia em si) me agrade é notório que pisou no tomate. O filmado anteriormente desmente o que vai na tela. Nem tanto por uma das personagens não sentir a queimadura (já que um cérebro amortecido explicaria isso), tampouco pelo dinheiro que sai da boca da mulher no clube (já que lá Mike poderia possuir um brinquedinho para ironizar a situação das esposas robotizadas cerebralmente – uma cópia automatizada de uma das mulheres), mas não tem explicação as faíscas da mulher em pane durante a festa.
Na versão de 1975 Goldman escrevera o roteiro pensando que o mesmo seria levado as telas por Brian de Palma. Palma é bem mais arrojado e possui certos arroubos barrocos e dota suas obras de um clima mórbido ao contrário de Forbes que se mantêm impecável, mas distante e frio. Ele tem um estilo (sóbrio demais, privilegiando uma montagem progressiva da tensão dramática), mas talvez a história se adequasse melhor com sua intriga fantástica e seu conceito polêmico nas mãos de um cineasta mais audacioso. Para compensar isso a fotografia é belíssima e funcional (De Owen Roizman) e a trilha sonora de Michael Small casa de forma perfeita ao que vai à tela.
A versão de 2004 navega em outras águas. O tom predominante é de uma fábula satírica (que a meu ver a ideia motriz se casa bem) a começar pelos créditos que mostram e denunciam a mulher enquanto um produto que pode ser comercializado junto com as engenhocas que são criadas para colorir seu mundo. Após os créditos o filme mostra Joana como uma bem sucedida produtora de tv. Os programas que cria mostram a mercantilização da espécie humana de uma maneira crua e cínica. A mulher não está emancipada do homem, ela apenas vira um objeto nas mãos de vários. E na mesma moeda o homem também nada mais é do que isso. Quando é demitida e entra em depressão, rimos não só da situação, mas também da incoerência que buscam esconder. Joana também nada possui de especial e tem do que se orgulhar. Afinal ela simplesmente tornou a mulher com seus programas aquilo que criticava na postura dos homens: inconsequentes. Daí o roteiro segue sempre no tom de fábula mas contará com personagens secundários de peso: Roger e Bobbie (a ideia do casal homossexual é genial). Alguns creditam a Walter (Matthew Broderick) um papel insosso. Não vejo assim. A sua aparente insipidez é crível. Uma espécie de camaleão. Molda-se ao ambiente de acordo com as necessidades. E no final vemos que é alguém mais lúcido: Por pior que seja, trocar a mulher por um simulacro é algo inconcebível.
Duas falas (uma em cada versão) estão entre as melhores que uma obra pode produzir: Na versão de 1975, quase ao término Joana indaga:
- Por que fazem isso??
A resposta é lacônica e cruel:
- Nós podemos.
No filme de 2004 Mike fala que enquanto as mulheres buscavam ser homens, eles já estavam passos a frente tentando ser Deuses.
O resultado ao se ver ambos os filmes é dúbio. Agrada-me mais o tom farsesco da refilmagem, mas é a versão primeira (apesar dos pesares) que é indubitavelmente melhor realizada. A história ainda está a procura de um cineasta que explore as sua ricas possibilidades. Alguém se habilita?
Escrito por Conde Fouá Anderaos