“Saint Tropez, anos 1950, Juliette uma jovem órfã, loira, bela e sensual ainda não completou a maioridade (não tem 21 anos). Ela, apesar da tenra idade, atrai a atenção de todos os homens do local, entre eles um velho rico que a visita quando ela se dedica a um bronzeado naturalmente integral. Suscitando um escândalo pelo seu comportamento extremamente liberal, a ameaçam com o retorno ao orfanato, até que fique adulta. Carradine (o velho) para evitar que tal ocorra diz que a única forma de evitar isso é lhe arranjando um marido. O triângulo amoroso é formado pelo velho, Antonio (um dos donos de um estaleiro decadente) que surge no local aos fins de semana e seu irmão Michel (que ao contrário dos outros dois, mescla ao desejo um extremo carinho pela orfã) que a desposa.”
Existem filmes que atravessam o tempo e resistem por motivos não necessariamente de ordem artística. E Deus Criou a Mulher é um exemplo perfeito, não possuindo hoje nada mais do que um interesse de cunho sociológico. Importante documento que ilustra o princípio da emancipação feminina e o início da liberação sexual que se segue. Vendo-o hoje é notório que envelheceu mal. Mesmo as cenas mais provocativas não mais possuem a estimulação que certamente provocaram em nossos hoje setentões. Culpa não só das mudanças dos costumes, mas também de um roteiro fraco e de um diretor de mise em scène sofrível. Ao menos Vadim nos informa de forma rápida e direta aonde poderia e queria chegar. Fazer com que mergulhássemos nas generosas curvas de sua então mulher (Brigitte Bardot). Na cena inicial a vemos se bronzeando como veio ao mundo. E se tudo nos soa perfeito, mas perfeita ainda são as nádegas de BB. Tão atrativas que nem nos damos conta do erro cometido logo de cara pela produção: Curd Jurgens (perfeito em cena) se dirige a BB nua atrás dos lençóis que secam. O contra plano seguinte mostra BB de costas inteiramente nua; face a Curd Jurgens mais cadê os lençóis (um vão entre eles)? O plano seguinte restabelece a situação: ela está nua, mas atrás dos lençóis. Erro de montagem é certo.
Apesar do descaso com que é dirigido o filme resiste em vários momentos como cinema. Não pelo que o roteiro tentou dizer, passar, nos guiar. Permanece em nosso imaginário por aquilo que escapou de sua insipidez, através do desempenho de BB. Não só pela sensualidade em cada cena, fazendo com que o público de antanho sentisse que tudo faiscasse ao redor de si. Mas falo principalmente de seu olhar, de sua face tentando passar a dubiedade de um ser dividido entre a carne e a espiritualidade.
A dança quase ao término da projeção deixa-nos escapar essa divisão que o roteiro não deixou explorar. Um ser que veleja nas águas selvagens de um mar revolto por uma procela incontrolável e que deseja estar somente num lago tranquilo. A dança é frenética, mulher e música formam que um só ser, mas o olhar súplice não solicita o tapa que lhe fere o rosto. Ela o estende como se fosse o braço que não se desvencilha da dança. Quer ser tragada de volta as águas calmas. Só se esqueceu que seu marido também se debatia num mar tempestuoso.
O que se depreende de tudo ao final da projeção é que estamos diante de um filme infinitamente menor que a atriz que o encenou. Ela sim superou o roteiro raso e a direção desleixada para se tornar um símbolo maior até que si própria. O que nos resta da obra de Vadim foi o mito BB. Mito esse que serviu até para disfarçar o seu parco talento enquanto roteirista e diretor.