Lento como o
deserto, Era Uma Vez no Oeste (C'era una Volta il West, 1968) é o
espelho de seu cenário. Sendo uma história de ganância, amor, mentiras e muitos
tiros, ingredientes recorrentes nos filmes de Sergio Leone, essa talvez conte
com o maior primor técnico do diretor. O gênero, western spaghetti, mais do que
conhecido pelo italiano já havia sido moldado por ele com a trilogia dos
dólares, estrelada pelo então galã Clint Eastwood. Em Era Uma Vez No Oeste,
porém, Leone consegue atingir um nível de precisão técnica e domínio de câmera
ainda maior do que nos filmes anteriores.
O trem
chega, um indivíduo descarrega algumas malas e mais nada. Os três homens que
esperavam já se preparam para ir embora quando o sinal do protagonista toca
pela primeira vez. Aquela gaita tão famosa que irá soar por diversas vezes
durante o filme, sempre anunciando a estrela principal, “o homem que não fala,
mas toca”. Charles Bronson dá vida ao protagonista sem nome, e de bom humor
estrela o primeiro diálogo propriamente dito do filme, passando dos 15 minutos
já. Um diálogo afiado e bem humorado, como não poderia deixar de ser, é mais
uma marca de Sergio Leone.
Charles
Bronson tem aqui um papel difícil. Com pouquíssimas falas, o ator preenche a
tela com seu rosto e sua expressão cansada do calor do deserto. Um rosto
marcado pelo tempo e pela amargura, é fácil desconfiar dos motivos pelos quais
ele está ali, mas saberemos sobre eles com certeza apenas nos minutos finais da
obra. Não obstante, toda ação do filme é assim, envolta em mistérios e com
meias explicações que surgem para serem totalmente descobertas lá para frente
da estória. O espectador que vai até o filme sem ler a sinopse pode se sentir
perdido em sua primeira hora de película, porém isso faz parte da situação. A
desconfiança é mútua e não se sabe ao certo quem é mocinho e quem é vilão, quem
é experto e quem é inocente.
Qual seria a
sinopse básica de Era Uma Vez no Oeste então? Difícil falar sem dar spoilers.
Basicamente Harmonica (apelido dado a Charles Bronson por outro personagem,
porque ele vive tocando sua gaita de boca) está na cidade em busca de Frank
(Henry Fonda). Este assassinou toda a família McBain e encobriu o crime com
pistas falsas, a fim de incriminar de Cheyenne (Jason Robards). Já Jill
(Claudia Cardinale) é a noiva do falecido Brett McBain (Frank Wolff) que chega
a cidade e se depara com essa chacina no que seria seu futuro lar. A partir daí
a trama se desenrola com inteligência e viradas que colocam os personagens em
conflito constante entre si, o que abre um enorme leque de traições e
desconfiança.
Direção e
roteiro dividem o maior crédito de Era Uma Vez No Oeste. Se no primeiro quesito
Leone conduz com perfeição, o segundo não fica para trás. Assinada ainda por
Dario Argento e Bernardo Bertolucci, a história marca a reunião de três dos
maiores diretores italianos em atividade à época.
Comparado
por alguns a uma ópera, Era Uma Vez no Oeste tem a grandeza de uma tragédia
grega e deve muito de seu ritmo cadenciado à trilha sonora de Ennio Morricone.
Em mais uma parceria com Leone, o compositor italiano deixa sua expressiva
marca no filme, principalmente com o tema principal, sempre introduzido por
Harmonica em sua gaita de boca.
Mais de 40
anos depois, com a fase western tendo passado há tempos, contando apenas com
alguns lapsos e homenagens, Leone continua sendo o principal expoente do estilo
junto com John Ford. Seus protagonistas silenciosos e seus duelos antológicos,
porém, sempre terão destaque no cinema mundial.
Giancarlo Couto