Crown, O Magnifico (1968)

Revendo filmes que foram refilmados caminhava numa estrada que visava desmentir o que está sedimentado como verdadeiro no mundo vivido pelos cinéfilos: Que o remake é geralmente inferior ao original. Contudo nos últimos meses vira os filmes: O Homem que sabia demais (ambos feitos por Hitchcock onde a refilmagem só não suplanta totalmente a original pela falta de Lorre); A Vitória será tua (1934, de Capra) refilmado por ele na década de 50 e que ganhou por aqui o título de Nada Além do Desejo, um filme no máximo bom, mas que supera em muito o anterior; Duas Vidas (1939) de Leo McCarey refilmado também na década de 50 e que ganhou as telas brasileiras com o nome de Tarde demais para esquecer (levemente superior ao original).

Agora a obra de Jewinson possui a virtude maior que faltou a sua refilmagem (além de mais charme): Não procura dotar de lógica em imagens aquilo que é engendrado pela mente de um homem. Estamos no campo da infinitude de possibilidades e isso é justamente o que nos fascina em tal obra.

Thomas Crown rico e sedutor homem de negócios organiza um assalto a um banco para enganar o fastio de sua existência e também como forma de satisfazer seu gosto pela adrenalina. Sem necessariamente se envolver fisicamente no feito, ele contrata alguns homens que servirão como marionete de sua mente privilegiada. Seguindo milimetricamente seu plano, no final o saque é depositado numa lixeira em um cemitério onde ele o recupera. Uma detetive de uma companhia de seguro fica fascinada pela forma como tudo foi engendrado e se aproxima do fascinante milionário com o intuito de provar a sua culpa. Tem inicio um jogo de rato e gato mesclado a um ambiente de sedução e intimidação que mais fascina os protagonistas e o público que os acompanha, do que aterroriza.

O diretor Jewison possui em seu currículo obras de vulto como “Um Violinista no Telhado” e “Justiça Para Todos” que serviram para calar aqueles que teimavam em ver nele simplesmente um diretor comum. Um ano antes de Crown já abocanhara o prêmio principal da Academia com “No Calor Da Noite”.

Podemos dizer sem errar que Crown o magnífico é um filme que serviu para reforçar a aura que se formava em torno de seu nome, ainda que estejamos distante de uma obra prima. A maior virtude de “Crown” é justamente de não buscar explicar de forma lógica, mas sim através de reflexos a mente de um homem. Thomas Crown seria um cidadão acima de qualquer suspeita, mas um outro ser dotado de uma mente tão engenhosa quanto a sua, o coloca como o principal alvo de sua investigação. A canção assinada entre outros por Legrand e que ganhou merecidamente a estatueta da academia (The Windmills of Your Mind) e que abre a película casa perfeitamente com o que nos será apresentado. O que se passa na mente de um homem? Do que é dotado o espírito humano? No caso de Crown, notamos que o que ele realiza é algo que nos fascina. Seu intuito não é o de angariar mais dinheiro, já que o que ele possui lhe é suficiente. O que ele deseja é romper os limites que cerceiam a sua vida. Foi casado, teve filhos, tem uma posição de respeito dentro da sociedade, dedica-se a diversões onde busca obter adrenalina para se sentir útil e vivo. Apesar de possui uma vida aparentemente privilegiada, sentimos que lhe falta algo. O mundo capitalista onde vive, e no qual ocupa uma posição de destaque não o preenche como devia. Obtivera tudo o que muitos perseguem em uma vida inteira e falta-lhe um sentido maior. A detetive que pode parecer uma ameaça séria soa-lhe mais como um alívio em sua fastidiosa existência do que uma ameaça. Um ser que também busca novos desafios, alguém para se lhe ombrear na vida. Ainda que fiquemos fascinados com o mundo que nos é apresentado, não nos deixemos enganar. Atrás de todo requinte e elegância existem amarras que limitam a real capacidade do ser humano. Uma crítica velada ao sensualismo que limita o homem. Crown é também um animal acuado em uma jaula que cerceia sua liberdade e a qual deseja romper.

O início do filme com o letreiro e a tela dividida, não com o intuito de nos divertir, mas sim de tentar romper os limites do possível ao nos procurar postar dentro de um processo criativo de uma mente que busca materializar algo que rompe o cotidiano repetitivo de uma vida sem sabor. A ação que parece correr em vários lugares em geral só se dá em um: Na mente de Crown. Os vários personagens que acompanhamos são em realidade extensões de sua mente, como nossos membros de nossos desejos: Quero agarrar uma maçã, meu braço obedece e a mão a toma. A tela dividida não possui o intuito de divertir, está ali para servir a história. Não é um adorno sem outra função que seja a de iludir nossa atenção. Isso me encanta. Dá-me bem estar também a trilha sonora bem resolvida, os atores sóbrios a serviço da história, ao invés de procurarem se destacar nela. Jewison se vale da influência da época da feitura do filme e não a nega. Alem da utilização da tela dividida, temos enquadramentos bem resolvidos, iluminação psicodélica, cenários de alta tecnologia, que fizeram a fama de séries como James Bond. Alie-se a tudo isso o mito Steve McQueen com o phiquique du role necessário para o papel e o charme destruidor de Faye Dunaway (e imaginar que Anouk Aimée recusou o papel – que tolice; mas sinceramente não sei se casaria tão bem quanto Faye).

"Crown, O Magnifico" segue ainda como um exemplo de um filme de classe e refinamento, que a sua refilmagem não conseguiu atingir. Apesar disso fica em nós a sensação que não se conseguiu mergulhar de maneira decisiva nos moinhos da mente do ser humano. Mas ao menos se atentou para isso.


Escrito por Conde Fouá Anderaos
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