Saló ou os 120 Dias de Sodoma (1975)

Em um grande plano de Saló ou os 120 dias de Sodoma (Saló o le 120 Giornate di Sodoma, 1975), estamos a frente de uma grande mesa, um belo lustre arredondado em cima e ao redor paredes vermelhas que abrigam algumas cadeiras. Trata-se de uma sala de jantar de um grande casarão, com portas enormes, janelas grandes e ao centro uma longa escadaria que da a entrada, de forma teatral, a uma senhora, uma prostituta de vestido prestes a contar contos eróticos ao som de um piano ao seu lado. Os ouvintes: jovens adolescentes, alguns senhores e militares.

A montagem de Pasolini, praticamente clássica, teatral, irônica, posiciona os elementos de seus planos de modo calculado, organizado. Se trata, logicamente de pervertidos sexuais que aprisionaram jovens para simplesmente satisfazer seus prazeres, mas em momento algum isso parece ser exposto, na verdade quase não nos damos conta. Sentados ali, eles escutam histórias, como se fossem pais daquelas crianças, ensinando, porém a perversão. Não se trata de uma loucura que faz parte do nosso subconsciente imaginário, não se trata muito menos de pura tortura, ou estupros no sentido mais puro da palavra. Pasolini trata o incômodo como um algo natural, sua montagem já mais no da à verdadeira noção do espaço, lugar e tempo onde estamos, tudo é revertido e quando aos poucos vamos realmente descobrindo ou nos dando conta onde estamos e o que estamos presenciando, sua câmera, em posição objetiva impede nossa interferência, somos obrigados a ver por que não podemos ignorar o fato que está ocorrendo, mas não podemos interferir, apenas agonizar.

Mesmo que exista sim, a tortura explícita, o sexo, as manias – afinal, Pasolini não nega que aquilo é um inferno, mesmo que conduza tudo como se fosse algo natural – é da sugestão, gritos que por sua vez parecem cortar o papel da imagem. Sendo assim, o trabalho inserido aqui, é do imaginário, como o de Hitchcock, que já propunha o medo em seus filmes desta maneira, este medo que é inserido pela falta da imagem e completado pela imaginação do espectador. Como no cinema o trabalho do suspense, do terror, ou de qualquer demonstração do caos na imagem, só alimenta mais a curiosidade do espectador, ainda mais quando se trata da sugestão, no jantar “familiar” onde um dos militares coloca um pé na frente e faz uma jovem garota cair, ele levanta e a sodomiza, mas a ação que vemos, é apenas ali nas sombras, o que Pasolini usa, é o pensamento do espectador para construir sua cena, a perversidade de nossa cabeça faz parte complementar da construção de cada uma de suas sequências e as torna tão potentes e assustadoras.

A juventude filmada por Pasolini, alça enquanto vítima da guerra, não apenas objetos de tortura, mas também manipulados como ela. Aqueles quatro homens engravatados, transmitem de certo modo, uma sucessão de horror, alguém que precisa causa-la, naqueles jovens militares, que mais tarde se tornaram monstros assim como eles. Bem como, ao fim, uma mesma geração mata outra, é a simbologia da guerra em uma mansão, é o desastre que ela provoca de geração em geração.

A trilha de Morriconne, que remete tanto a era de ouro de Hollywood, dão glamour as cenas do horror. Constrói ai uma ambiguidade, enquanto para aqueles senhores engravatados as ações são realmente prazerosas, para o espectador simplesmente são repugnantes. Pasolini aproveita daí então, para embarcar em temas filosóficos postos e referidos em momentos absurdos, piadas infames. Se por um lado, o que realmente existe em Saló é puro caos, por outro é um portal onde Pasolini consegue se aproveitar para criar todas suas cenas de tensões, passando da sugestão, ao voyeurismo e enfim para o explícito.

Porém de todos os truques na manga, ou melhor na câmera de Pasolini, o maior seja talvez, a explicação do por que Pasolini obriga-nos a “consentir” aquelas imagens: talvez todos nós sejamos um pouco como aqueles homens.

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