Dead Man (1995)

Numa longa estação em meio ao faroeste, um trem passa. Dentro deles, homens e mulheres sentados ociosos esperando a chegada. Mais a frente, um maquinista comanda a velha maria-fumaça que percorre o oeste. Dentro, porém, desses vagões, um homem curioso de chapéu e óculos observa todos ao redor, que logo mais também o observam. Ele tenta, sem sucesso, se distrair, pega uma revista e lê um artigo. Novamente, agora mais decidido tenta jogar cartas. Olha a paisagem afora, o grande deserto, mais a frente vê algumas aldeias indígenas. Tenta dormir. Conversa com um estranho e sai do trem.

Dead Man (idem, 1995) resgata primeiramente, o suspiro de um cinema que já não mais existe, um cinema da observação, contemplação da rotina. Acompanhamos apenas um homem em meio ao velho oeste em busca de um emprego, enquanto John Ford observava o espírito vingativo de Ethan (Rastros de Ódio (The Seachers, 1956)) e Clint Eastwood observava a redenção dos pecados de William Munny (Os Imperdóa veis (Unforgiven, 1992)), estamos aqui acompanhando a simples jornada de um indivíduo em busca de emprego, mas que ninguém se engane, esse homem, William Blake(Johnny Depp) não é alguém comum que se vê todos os dias, é um esquisitão deslocado, de aparência peculiar, desajeitado.

Jarmusch logo de início, coloca em meio a sua narrativa, um homem que simplesmente as pessoas ignoram, um azarado. Embora Dead Man seja um filme sobre um cinema que não ira mais voltar, usa e abusa dos recursos modernos, afinal é um filme moderno – um filme de Jim Jarmusch -, temos então, junto com o conservador preto e branco e a hipnótica montagem, onde sai uma cena calmamente para dar espaço a outra, uma guitarra que informa uma ação, em perfeita e magnífica sintonia.

Mas afinal, o que quis Jarmusch com esse homem? Dead Man é o filme, como diz o título, sobre um homem morto, um homem ignorado pela sociedade e que agora está encrencado, o pobre coitado, que mal sabe quem é, agora tem a confirmação de que esta morto ou melhor procurado pelos 3 assassinos mais sanguinários e psicopatas do oeste, daqueles dos filmes de Leone, e que com certeza não são bons e nem, simplesmente, feios, mas sim maus. A narrativa de Jarmusch flui até aí, como um doce espírito de aventura, que esbarra em uma condução literária intrigante, de um western inexistente, um western morto, que resgata um gênero que já passou e já representou os tempos maravilhosos que a indústria conseguia arrecadar tanto dinheiro e hoje é visto maneira ultrapassada.

Sendo assim Dead Man é um filme metafísico, não pode existir e está além da compreensão, mas simplesmente está ali, não há como ignorar, é como um aviso de que apesar de “morto”, esquecido, o western é imortal graças às telas do cinema. Fantasmagórico, Jarmusch une sua poesia e toda sua carga criativa sob a estética de seu filme, esta que influi no indígena, na garota inocente, nos vilões e enfim da lenda no western, lenda essa que está para ser criada, estamos descobrindo a magia que ronda este gênero através do cinema moderno. Sobretudo, o filme de Jarmusch quer representar a criação e a morte de uma lenda a partir do homem convencional, afinal, toda atmosfera esta ali, mas da onde vem aquelas criaturas de chapéus e mãos prontas para puxar o gatilho, que eternizaram os filmes de Leone, Ford e Eastwood somente no leve e minucioso andar de seus sapatos e o suave som de suas esporas batendo no árido solo desértico? Não seria necessário apenas a busca pela sobrevivência para formar um verdadeiro cowboy a sangue frio? O western, é agora esse homem que todos estranham e não mais dão valor, antiquado e ignorado. É isso que Jarmusch tenta desvendar por meio de suas florestas, da brutalidade que irrompe o silêncio e som das guitarras – o som da modernidade – que louvam a antiga lenda.

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