Do Jeito Que Ela É (2003)

Filme independente americano, primeiro trabalho atrás das câmeras de seu diretor e a coragem de realizar um filme simples e ao mesmo tempo indigesto, apesar de trazer em seu bojo um conteúdo que passeia pela gastronomia.

Durante aproximadamente uma hora e meia iremos seguir duas narrativas distintas que se entrelaçarão de maneira definitiva ao término da película. Em uma seguiremos as agruras de April (que não possui dons culinários) buscando preparar a ceia de Ação de Graças para os parentes que não vê faz tempo. Inteligentemente o roteiro não interioriza a ação dentro da própria cozinha do apartamento onde ela vive, mas mostra os arredores e, sobretudo a vizinhança que habita no próprio prédio. Ai se nota que a miscigenação que sempre foi um tema delicado (com a divisão em guetos nos grandes centros americanos) já não mais existe como antes. No mesmo prédio afrodescendentes, asiáticos e outros nichos vivem e carecem como April de se tornarem aceitos e ao mesmo tempo aceitar o outro. E ficamos sabendo que April seria como a filha indigesta de quem os familiares nada esperam de positivo. Na busca, sobretudo de um forno em pleno estado de funcionamento para assar o peru, os eventos que se sucedem mergulham na fusão racial que irá mostrar como o choque entre as várias culturas permite o surgimento de novas possibilidades em todas as áreas. A contribuição de todos na construção da nação americana, ao invés de um discurso de pureza racial. O namorado afrodescendente que saiu do apartamento após ajuda-la um pouco, busca trajes que o façam cair no agrado da família que se aproxima e nesse ínterim se depara com o ex de April inconformado com o término do relacionamento.

A outra narrativa se alicerça em um road movie reticente. Os familiares (exceto o pai) parecem estar rumo a um patíbulo. Todos já fazem as mais negras previsões sobre o fim da viagem. É, de April só pode-se esperar o pior. Não sabemos se ela foi expulsa, ou se abandonou o lar. Não sabemos também se ela é o que dizem, ou se só servia de desculpa para o fracasso de todos: A avó com Alzheimer, o filho fotográfo amador, a filha centrada só em si, a mãe em estado terminal e que demonstra uma mágoa que pode ser o que ocasionou o estado que se encontra (não sabemos de que mal sofre). Somente o pai guarda alguma esperança, de ao menos uma vez ver todos reunidos como deveria ser. Um sonho pequeno demais, mas com um significado profundo. Que com o passar do tempo nos soa inatingível, já que no caminho todos desfiam os prognósticos mais pessimistas, inclusive querendo se alimentar no caminho para não ter de sofrer a tortura do repasto que acreditam intragável.

Patricia Clarkson arrebatou indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro como a mãe. Mas ninguém no elenco destoa. Todos os personagens são críveis e não soam caricatos. Méritos para a direção e um roteiro eficaz.

Não pensem que o filme opta por um final cômodo. O percalço até o desfecho (em aberto, não se engane pelas imagens) nos mostra que o que o diretor quis mostrar são as suas dificuldades. Não somente de se aproximar novamente mãe e filha. É mais abrangente. Ele deseja o jungir de todos, respeitando as suas peculiaridades, e se enxergando como pertencentes a uma única família. A família esfacelada é a própria América que necessita de uma vez por todas resolver suas diferenças. Não é uma tarefa fácil, mas o simples fato de escancará-la nas telas é um avanço. Não se combate uma doença, negando-a...


Escrito por Conde Fouá Anderaos

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