Nessa obra de Chantal Akerman somos colocados de frente a dezenas de personagens que, durante uma noite de verão em Bruxelas, nada mais fazem do que viver, muitos deles em um mesmo prédio. Ao todo, são 23 personagens que, em pouco mais de 80 minutos de projeção, tomam a tela por duas ou três vezes cada. Aparições curtas, breves lances de sua vida, mas que já é suficiente para termos uma certa noção de sua história. Afinal, é disso que Toda uma Noite se compõe, fragmentos de vida de pessoas ordinárias durante uma noite qualquer. Chantal não realiza aqui um filme simples, muito pelo contrário. Sua estrutura narrativa pouco usual faz desse um filme consideravelmente difícil de ser assistido. O pouco tempo de presença em tela torna os personagens figuras distantes, de difícil caracterização e, consequentemente, pouca atração para com o espectador. Um filme que exige doses extras de concentração e atenção para poder ser devidamente apreciado. Como dito anteriormente, a obra se consiste de fragmentos de vida, mas não de fragmentos quaisquer. Chantal esolhe de seus personagens os momentos de maior carga dramática e condensa todos estes momentos em uma mesma noite, criando uma coleção de encontros, reencontros, partidas, paixões, amores se formando e sendo destruídos. Tal qual Hotel Monterey, temos aqui um filme um tanto quanto claustrofóbico, onde na maior parte do tempo nos vemos dentro de apartamentos, o que reforça o caráter ordinário das personagens, que mesmo durante uma bela noite, trancam-se em seus mundos particulares. Da realidade, temos apenas alguns segmentos de personagens mais livres e, na maioria dos casos, paisagens vistas através do vidro das janelas. Reforçando a melancolia das figuras deprimentes que desfilam em frente aos nossos olhos, uma fotografia de tons extremamente frios e escuros, que por si só já drenam a felicidade ao seu redor. Talvez mas do que em qualquer outro filme da diretora (à exceção de Jeanne Dielman), aqui a câmera estática, marca registrada dos filmes de Chantal Akerman, encontra o seu verdadeiro papel na narrativa. Numa realidade voyeurística de personagens emocionalmente abalados, nossa perspectiva unidimensional é levada a um outro patamar, onde nossa perplexidade é tamanha que não temos a capacidade de seguir as personagens com os olhos e demoramos a perceber que eles não estão mais onde nossa vista foca. Câmera como personagem. Tal como grande parte dos trabalhos da diretora belga, não há muito o que ser dito sobre Toda uma Noite. Um mosaico depressivo composto por figuras quaisquer resume bem a obra. Um Chantal bom, mas menor quando comparado a trabalhos como Jeanne Dielman, Eu Tu Ele Ela e Os Encontros de Anna.
Toda uma Noite (1982)
Jorge
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