Depois do Casamento (2006)

Jacob é um dinamarquês que vive na Índia realizando projetos de cunho social há quinze anos. Com excessão de um ou dois, todos eles foram retumbantes fracassos. O fracasso dessa vez é um orfanato que ele cuida e no qual vive o jovem Pramod, um garoto indiano que Jacob cuida desde criança. Mas esse não é o filme de Susanne Bier. Afundado em dívidas, Jacob recebe uma doação significativa de dinheiro de um magnata sueco chamado Jørgen, porém uma de suas exigências é que ele vá até a Dinamarca. Agora sim começa o filme de Susanne Bier. Na Dinamarca, ele descobre que a doação ainda não é certa, e que na realidade ele concorre com outros quatro projetos sociais que estão na disputa pelo financiamento. Jørgen diz que apenas decidirá se o projeto de Jacob será agraciado ou não após o final de semana, e aproveita para convidar Jacob para o aniversário de sua filha, Anna, que ocorrerá no sábado. No casamento, Jacob encontra Helene, esposa de Jørgen, mãe de Anna e um antigo amor de Jacob. Quando no discurso da festa, Anna diz não ser filha biológica de Jørgen e que, na realidade, não conhece seu pai, Jacob percebe que na realidade aquela é a sua filha, de cuja existência ele nem sequer desconfiava. Uma sinopse exageradamente longa para um filme exageradamente complexo, onde num curto período de tempo, a vida de todos os personagens é drasticamente alterada. Se logo de cara ele aparenta ser um mero melodrama de cunho concientizador, focando na pobreza extrema da Índia e mostrando como um homem sozinho pode mudar isso, tal como inúmeros filmes que pipocam por aí a torto e a direito, "transbordando moralismo" como diria eu mesmo, logo percebemos que ele não iria pecar tão diretamente assim, afinal, Depois do Casamento não é um filme a abordar aspectos sociais, mas sim a abordar aspectos comportamentais. Tudo através de seus complexos personagens. Helene é uma mulher que sofreu demais na vida. Apaixonada por um homem que ela odiava e via se entregar ao alcoolismo e andar bêbado pelos cantos, resolveu terminar de vez a relação ao descobrir que estava sendo traída com a própria melhor amiga. Pouquíssimo tempo depois encontrou o bom Jørgen, com quem se casou e teve dois filhos gêmeos. Porém, quando ela havia se separado, ela estava grávida de Anna, que Jørgen criou como filha legítima, mesmo sabendo que não era o pai, até que essa completasse 18 anos. Ao ser questionada o porque de não haver contado antes que ele não era seu pai ou porque não havia mencionado o nome de Jacob, Helene responde apenas que prefiria acreditar que Jacob estava morto e que ele nunca existiu. Se o encontro de Jacob com o seu passado parece uma coincidência grande demais para ser uma mera coincidência, desconfiança que surge não apenas no espectador mas também na própria Helene, logo fica claro que há uma figura por trás dessa viagem e tal figura é o próprio Jørgen. Com sua cara de "porco burguês" ou até mesmo de "aristocrata pervertido" que lembra muito a fisionomia de Jim Broadment, ele logo consegue mostrar sua verdadeira face, se revelando ser nada mais que um homem bom, que ama sua família acima de tudo e que trouxe Jacob para a dinamarca para que ele cuidasse de sua família, visto que descobrira estar profundamente doente e que lhe restava pouco tempo de vida. Já Jacob não está à altura dos outros dois personagens. Com um passado vergonhoso de traição e alcoolismo, ele decide se redimir com obras sociais em benefício dos mais carentes. Redenção ou egoísmo? Seja qual for a resposta, é desprezível e deprimente. Anna é um mero motor para o problema daqueles que estão na geração que a antecede. Se a trama puxa constantemente para o lado melodramático, piegas e moralista, mérito da diretora dinamarquesa de conseguir manter o filme no rumo certo. Muito embora o filme comece a cair na repetição, como quando Jacob pede que Helene esclareça o fato de Jørgen estar morrendo e pede que ela lhe conte tudo. Fica a estranha impressão de que já ouvimos aquilo antes. Além, é claro, de Pramod, uma personagem totalmente inútil, cuja mera existência dá confere um tom melodramático quase que folhestinesco, que apenas é revertido com muito trabalho em cima das tramas primordiais. Depois do Casamento tinha tudo para ser um desastre absoluto, mas não foi. E se é possível apontar um culpado para tal feito, esse culpado é Susanna Bier. Além de evitar uma pieguice exacerbada como já citado, ela ainda insere de uma maneira genial closes hiperdetalhistas de partes do corpo, tais quais olhos, boca e mãos em meio aos diálogos, ratificando sempre que aqueles não são meros personagens, mas seres vivos, que possuem uma existência física inquestionável numa dimensão paralela e cujo portal de ligação entre ambas essas dimensões (a paralela e a nossa) é o filme cujo título encabeça esse texto. E acima de tudo, mantém a qualidade da obra evitando ao máximo o didatismo. Um exemplo dessa positiva falta de didatismo é o relacionamento antigo entre Jacob e Helene, que demora bastante para ficar explícito, mas que cria diversos momentos onde pode ser simplesmente subentendido. E em cima disso tudo, a trilha sonora pontuada por algumas músicas da sensacional banda islandesa Sigur Rós. Visto de um ponto racional, Depois do Casamento apresenta uma enorme série de defeitos que poderiam, não com certeza, comprometer sua qualidade. O fato de mesmo com esses defeitos ser um filme um tanto quanto apreciável mostra que se trata de um filme puramente emocional. Afinal, se o cinema devesse ser interpretado de uma forma racional e não emocional, não seria uma arte, mas sim uma ciência...

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