Nesse filme mais erótico, e consequentementeo o filme mais ousado de sua carreira, Chantal Akerman, autoral como sempre, assume sua posição sexual para o seu seleto público por meio de sua personagem principal, interpretada por e certamente inspirada em ela mesma. Na realidade, a maior parte dessa ousadia vem por conta de uma cena em particular no final do filme, que tornou a obra o primeiro filme de arte a exibir uma cena de sexo explícito entre mulheres. A obra se baseia nos mesmos conceitos e estilos que vieram sendo formulados durante a sua carreira. Fuga do cotidiano, feminismo, cenários claustrofóbicos, tomadas longas, câmera imóvel, poucos diálogos e, o mais interessante, personagens complexos e com um certo ar de mistério, conferido no fato de não conhecermos seu passado, muito menos seu futuro. O filme se consiste em três partes bem distintas. Na primeira, a personagem principal interpretada por Chantal está reclusa em seu pequeno apartamento. Lá nós estamos juntos dela. Nenhum diálogo está presente, apenas os mónologos de Chantal num estilo semelhante ao de um diário, narrando suas emoções, suas vontades, seus pensamentos, seus atos, enquanto escreve cartas para alguém para nós desconhecido. A sexualidade começa a tentar se fazer presente, embora as cenas de nudez ainda não tenham nenhum tipo de cunho sexual. Na segunda parte, Chantal resolve visitar o remetente das cartas. Para isso, pega carona com um caminhoneiro. Aqui Chantal exibe seu cinema de cotidiano, com longas tomadas resumidas únicamente a Chantal e o caminhoneiro fazendo uma refeição em um posto de beira de estrada qualquer. A sexualidade aumenta nesse segmento ao acompanharmos a cena em que o caminhoneiro instrui Chantal a como masturbá-lo. Durante alguns minutos temos um plano sequência em que ele ensina a jovem como fazê-lo ao mesmo tempo que relata os seus próprios sentimentos e os dela. Logo em seguida, ele embarca em uma narrativa de como conheceu sua esposa e como se dá o relacionamento com ela e seus filhos. Aqui temos Chantal fortalecendo sua personagem ao enfraquecer os outros, como se conhecer o seu passado colocasse a figura do caminhoneiro num patamar inferior ao da jovem. Uma manobra narrativa ousada, mas que funciona perfeitamente. Na terceira parte, Chantal chega ao apartamento da remetente, sua namorada. Aqui a sexualidade explode, primeiramente em uma tomada com Chantal e sua namorada na mesa da cozinha, onde percebemos o nível de relacionamento existente entre elas. Em seguida, num corte abrupto, somos levados ao quarto em uma tomada única de cerca de 5 minutos com as duas nuas sobre a cama, dançando alucinadamente ao som de suas próprias vontades. Como em grande parte dos ditos "filmes de arte" existentes, saber o que acontecerá em seguida é algo completamente irrelevante. Mais importante do que onde se chega, é como se chega. É nessa viagem em rumo ao seu objetivo onde se encontra tudo o que o filme pretende passar. Uma lição que Chantal mostrou ter aprendido perfeitamente em Eu (Chantal), Tu (público), Ele (caminhoneiro), Ela (namorada).
Eu, Tu, Ele, Ela (1974)
Jorge
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