Passar um livro para as telas não é uma tarefa fácil. Poucos conseguem fazer isso combinando fidelidade ao texto original e apuro estético na concepção da obra final. Nessa tarefa de poucos, Nelson Pereira dos Santos se tornou expert.
Dessa vez, ele adapta a obra de Graciliano Ramos sobre uma família nordestina: Fabiano, sua esposa Sinhá Vitória e seus dois filhos. No ambiente estéril e insólito da caatinga, acompanhamos um ano de sua vida, onde eles têm de enfrentar não apenas a seca que castiga bicho e homem como também os próprios bichos e homem, esse último se mostrando ser verdadeiramente o mais perigoso dos inimigos.
As atuações são sofríveis, uma vez que os atores se resumem a recitar as falas, sem passar qualquer sentimento através dela. Mas mesmo com esse empecilho, ainda é um filme extremamente sentimental, as imagens assumem essa função.
Fabiano é analfabeto, não teve qualquer tipo de educação formal, sua vida se resume a pequenos trabalhos como vaqueiro e ajudante de onde ele tira dinheiro para sustentar tanto a família quanto seu vício em bebida e jogatina. Não tem absolutamente nada, nem mesmo esperanças de que, um dia, sua vida vá melhorar.
Já Sinhá Vitória tem um mínimo de educação. Sabe ler e fazer cálculos simples, por isso cuida do mínimo, por vezes nenhum, dinheiro que é dado ao seu marido como pagamento. Sonha em ter uma vida melhor, que seria uma roça para cuidar e uma cama de gente, para sair dessa vida de bicho. Sonha também em ver seus filhos educados e repudia a idéia de eles virem a se tornar vaqueiros, como o pai.
Outro personagem de destaque é Baleia, o cão da família, que ajuda a todos em troca de carinho e dos restos das refeições. É a única alegria que têm os dois garotos, mas tem um fim extremamente trágico em um dos melhores momentos do filme, onde Dos Santos consegue, com uma maestria excepcional, transmitir até o público os "pensamentos e sentimentos" da cadela.
O filme trata basicamente do sofrimento das pessoas, da miséria e da condição desumana em que vivem algumas pessoas. O ano em que a obra é passada, 1941 a 1942, ajuda a reforçar o apelo do filme sobre outros países. Enquanto os europeus sofriam terrívelmente por causa da guerra, os brasileiros também sofriam terrívelmente, mas sem ter uma guerra, é apenas o cotidiano daquelas pessoas sofrer.
Mas junto com todo o sofrimento, o filme trata, acima de tudo, da esperança. Ele começa com os personagens viajando, na esperança de melhores condições de vida, e termina nessa mesma esperança, mostrando que mesmo nesse cenário desolador, esquecido por deus, é necessário sempre sonhar para poder seguir em frente.
Um ícone do cinema nacional, um dos primeiros filmes do Cinema Novo, o mais importante movimento cinematográfico do nosso país e, acima de tudo, um filme indispensável para qualquer amante da sétima arte. Mais do que uma simples narrativa, Vidas Secas é uma sucessão de acontecimentos que consegue, de uma forma única, tocar qualquer um que o assista.